Identificar os fatores envolvidos na origem e desenvolvimento da Fibrose Endomiocárdica Tropical (“Heart-of-Africa”), de forma a contribuir para o diagnóstico precoce e o tratamento da doença, assim como capacitar profissionais de saúde e laboratórios em Moçambique, são os objetivos do projeto PurinEMFpathy (Role of the purinome in the pathogenesis of tropical endomyocardial fibrosis), que será coordenado pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto.

A Fibrose Endomiocárdica Tropical é uma doença cardíaca grave, de origem desconhecida, que causa grande morbilidade e mortalidade em crianças e jovens habitantes de regiões endêmicas, nomeadamente em países da África Subsaariana.

“Não existem biomarcadores de diagnóstico precoce desta doença que sejam confiáveis e fáceis de utilizar em regiões rurais de países com baixa capacidade económica. Por isso, a deteção da doença ocorre normalmente numa fase tardia por especialistas em hospitais de referência quando já existem sinais evidentes e/ou complicações graves”, explica Paulo Correia de Sá, professor do ICBAS e investigador responsável pelo projeto.

Segundo o docente, “o diagnóstico tardio limita o tratamento médico, deixando os doentes à mercê de uma cirurgia cardíaca laboriosa e tecnicamente muito exigente como último recurso”.

É para fazer face a esta realidade que surge o PurinEMFpathy, um “projeto único no panorama nacional visando doenças não transmissíveis de origem africana, que resultou de uma parceria existente com o MIHER – Mozambique Institute for Health Education and Research e no qual participam colaboradores de excelência”, sublinha Paulo Correia de Sá.

A esperança de um novo tratamento

Ana Olga Mocumbi, especialista em Cardiologia Pediátrica, líder da Divisão de Doenças Não-Transmissíveis do Instituto Nacional de Saúde, e Professora Associada de Cardiologia na Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane (Maputo, Moçambique), foi pioneira na identificação de crianças com Fibrose Endomiocárdica Tropical , bem como na caraterização da doença em Moçambique.

Para isso, a investigadora ocupou vários anos da sua vida na recolha sistemática e caracterização clínica das amostras cardíacas de crianças operadas em Moçambique pelo cirurgião cardiotorácico Sir Magdi Yacoub (Imperial College London), um egípcio reconhecido mundialmente por ter sido responsável pelo maior programa de transplantação de coração e pulmão do planeta, também ele investigador neste projeto.

Após a realização de uma primeira análise clínica e patológica, as amostras estão agora no ICBAS, onde Paulo Correia de Sá pretende realizar uma “análise molecular e celular exaustiva por microcopia confocal, com o objetivo de identificar possíveis biomarcadores da doença, cujos resultados preliminares já demonstraram alterações na infiltração de certos tipos de células inflamatórias, na comunicação intercelular entre os cardiomiócitos e em vários componentes da sinalização purinérgica”.

Estes dados permitem, para já, explicar a elevada incidência e o mau prognóstico associado às arritmias cardíacas nestes doentes, abrindo fortes perspetivas de se encontrar um novo tratamento para a Fibrose Endomiocárdica Tropical com base num medicamento antiparasitário já conhecido.

 Sobre o projeto

O Projeto PurinEMFpathy ‘Role of the purinome in the pathogenesis of tropical endomyocardial fibrosis’ foi financiado com quase 250 mil euros pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), no âmbito do programa FCT-AKDN (Aga Khan Development Network). Este programa apoia planos de investigação científica destinados a incentivar e fortalecer competências e capacidades científicas, técnicas, humanas e sociais em África.

Ainda neste contexto foram aprovadas oportunidades de Mobilidade Erasmus Mundus (Comissão Europeia) para Paulo Correia de Sá (ida a Moçambique), para Ana Olga Mocumbi (vinda a Portugal) e para duas estudantes de mestrado moçambicanas que irão desenvolver as suas capacidades técnico-científicas ao serviço deste projeto no ICBAS. Assim, para além da caracterização da doença, da identificação de biomarcadores e da pesquisa de novos alvos terapêuticos, o projeto tem uma forte vertente de capacitação da equipa moçambicana, incluindo a montagem de um laboratório específico no MIHER para realizar estudos “a fresco” (e.g. culturas celulares primárias).

Para Paulo Correia de Sá, natural de Moçambique, “esta ligação Portugal-Moçambique é essencial, pois só criando os meios para fazer investigação no país de origem do problema será possível melhorar a qualidade de vida das populações mais desfavorecidas e fazer frente aos constrangimentos técnico-científicos inerentes ao estudo das doenças endémicas”.