Investigadores do Departamento de Clínicas Veterinárias do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto avaliaram, com sucesso, a capacidade do ‘secretoma’ proveniente de células estaminais mesenquimatosas (MSCs, de Mesenchymal Stem Cells) para regenerar a função de nervos periféricos danificados.

Os nervos periféricos têm, muitas vezes, uma posição superficial, estando expostos frequentemente a lesões. Este tipo de lesões, embora se reflitam em alterações motoras e sensoriais, são muitas vezes subdiagnosticadas e subvalorizadas, representando um grande desafio médico. Para além disso, a recuperação funcional completa é difícil, principalmente nas lesões mais graves ou com intervenções tardias.

Num trabalho anterior, reconhecido como Artigo do Ano 2021 pela revista científica Stem Cells International, que integrou a tese de Doutoramento em Ciências Veterinárias do ICBAS do Rui Alvites e orientado por Ana Colette Maurício do ICBAS e Artur Varejão da UTAD, a mesma equipa identificou esta função regeneradora em MSCs provenientes da mucosa olfatória.

Estas células são de fácil acesso e apresentam elevada estabilidade e capacidade de autorrenovação, o que fazem delas uma excelente fonte de material biológico para fins regenerativos. Após isolamento, expansão no laboratório e caracterização completa, as células foram administradas em conjunto com um material de origem natural que promove a adesão e a viabilidade celular, o quitosano. Esta combinação conseguiu promover, em ratos, a regeneração da função de nervos periféricos após seção anatômica completa (neurotmese).

No estudo recentemente publicado na revista Biomolecules, os investigadores do ICBAS isolaram o meio resultante da cultura, em diferentes condições, das MSCs da mucosa olfatória, e verificaram que o favorecimento da regeneração da fibra nervosa também acontece dada a elevada concentração de biomoléculas pró-regenerativas secretadas pelas MSCs em cultura (chamado secretoma).

A descoberta agora revelada representa um passo importante no tratamento de lesões nervosas, como explica a responsável pela investigação, Ana Colette Maurício, docente do ICBAS, investigadora do CECA/ICETA (Centro de Estudos de Ciência Animal/Instituto de Ciências, Tecnologias e Agroambiente da Universidade do Porto) e do AL4AnimalS (Associate Laboratory for Animal and Veterinary Science): “anteriormente tínhamos realizado estudos similares com células, igualmente bem-sucedidos. No entanto, percebemos agora que ao usar o secretoma e não as células que o produzem, obtemos resultados igualmente positivos, para além de usufruir de uma série de vantagens: o armazenamento e manipulação são mais simples, podendo tratar-se de uma terapia off-the-shelf, podemos quantificar e estandardizar o material, e a administração é mais segura”.

A investigadora acrescenta que “o uso do secretoma de MSCs da mucosa olfatória é, sem dúvida, uma nova opção terapêutica a ser explorada no campo da Medicina regenerativa do sistema nervoso”.

Uma investigação com os olhos postos na clínica e no futuro

O trabalho terá agora continuidade nas mãos de Rui Alvites, atual investigador do ICETA, graças ao projeto OLFABIONERVE, financiado no último concurso da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

Este projeto vai avaliar a eficiência das MSCs e do seu secretoma na regeneração de lesões de nervo periférico em ovelhas e em casos clínicos de cães. Os resultados obtidos poderão abrir caminho para o uso clínico mais alargado desta terapia celular tanto em Medicina Veterinária como Medicina Humana para regeneração de lesões nervosas altamente incapacitantes.

As formulações criadas por esta equipa de investigadores estão protegidas pela patente Regenera®, propriedade da Universidade do Porto.

O projeto foi apresentado a potenciais investidores no passado dia 20 de setembro, durante a BIOMEET 2022, o encontro anual do setor de Biotecnologia, organizado pela P-BIO (Portugal’s Biotechnology Industry Organization). Graças a este encontro, os investigadores vão agora reunir com investidores que poderão estar interessados em financiar os próximos passos deste trabalho.