“A história de um erro” lança um olhar sobre a Paramiloidose a partir das histórias de portadores da doença, familiares, médicos, assistentes sociais e cientistas.

O Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) da Universidade do Porto, a Fundação Calouste Gulbenkian (FGC) e a Associação Viver a Ciência (VAC) promovem, no próximo dia 23 de janeiro, um dia inteiramente dedicado à Paramiloidose (Polineuropatia Amiloidótica Familiar – PAF), uma doença genética de grande incidência em Portugal, cuja descoberta tem fortes raízes na Universidade do Porto.

Este evento tem como ponto central “A história de um erro”, documentário realizado por Joana Barros, da Associação Viver a Ciência, e estreado em julho de 2013 no Festival Curtas Vila do Conde. Nele conta-se a história desde a descoberta da doença por Corino de Andrade até aos dias de hoje, com referência à investigação que ainda decorre, com base em depoimentos de alguns investigadores do IBMC como Jorge Sequeiros e Maria João Saraiva.

É precisamente esse história que o IBMC e as restantes instituições parceiras vão explorar ao longo de três sessões dedicadas a diferentes temáticas e com enquadramentos úteis a diferentes públicos. Na primeira sessão, destinada à comunidade escolar, serão explicados e explorados temas como a variabilidade genética e os testes genéticos, bem como as técnicas e as possibilidades da procriação medicamente assistida, respondendo e enquadrando, assim, conteúdos programáticos do 12º ano.

A segunda sessão será para formação, esclarecimento e apoio aos Médicos Especialistas em Saúde Geral e Familiar, agentes pivot na gestão do paciente paramilóidotico. Um conjunto de especialistas com vasta experiência nesta doença neurodegenerativa irão abordar temas como a etiologia da PAF, diagnóstico e referenciação de doentes. Já a terceira sessão, marcada para o fim do dia e será aberta ao público, tem por objetivo sensibilizar a comunidade para a doença, assim como criar um espaço de discussão e esclarecimento com especialistas convidados. Os organizadores anteveem que “as questões que ficaram em aberto no documentário conduzirão, certamente, a uma discussão sobre o futuro da PAF e a importância da aposta continuada na investigação básica”.

As sessões são abertas ao público e vão decorrer entre as 10h30 e as 19h30, no Auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett. Os interessados deverão inscrever-se gratuitamente aqui.

Sobre a doença e o documentário:

Conhecida como “doença dos pezinhos”, a Paramiloidose é uma doença genética rara que se manifesta na idade adulta, normalmente por volta dos 30 anos, e conduz rápida e progressivamente em poucos anos à morte. Durante muitas gerações este foi um destino inevitável. Ninguém sabia que doença era aquela e ninguém podia ajudar. Para esse desconhecimento terá  contribuído o seu cunho hereditário, que levava muitas famílias a protegerem-se escondendo os seus doentes. Mas, em 1939, Corino de Andrade, recém-chegado de Berlim, depara-se com um destes doentes no Hospital de Santo António. O seu quadro clínico era de facto enigmático mas ele decidiu-se a compreendê-lo. Esse doente iria levá-lo até Vila do Conde onde ele encontraria muitas outras pessoas com os mesmo sintomas. Pela primeira vez começava-se a perceber a verdadeira magnitude daquele problema.

Corino de Andrade passaria os 13 anos seguintes a estudar os doentes de Vila do Conde e da Póvoa do Varzim até que em 1952 publica, na revista Brain, aquela que seria a primeira descrição da Paramiloidose, intitulada “A peculiar Form of Peripheral Neuropatia”. Aí descrevia que os doentes tinham os nervos  severamente danificados e cobertos por depósitos de uma sustância amilóide de origem desconhecida. O seu trabalho lançou as bases de uma frutífera investigação sobre a doença que rescreveria para sempre o destino dos seus portadores.

O conhecimento desta nova entidade clínica, Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF) como ele a batizou, levou a que outros focos da doença começassem a ser encontrados em países como a Suécia, Japão, Maiorca, Brazil, Estados Unidos, entre outros. A PAF tornou-se assim num interesse da comunidade científica internacional. Em Portugal, Corino de Andrade criaria o Centro de Estudos de Paramiloidose (CEP), onde coexistiam clínica e a investigação lado-a-lado. Reunindo à volta da PAF uma série de entusiastas neurologistas, bioquímicos, matemáticos e geneticistas, o CEP foi-se tornando numa referência mundial.  Em 1978 Pedro Pinho Costa descobriria a origem do tal amilóide.  Era composto pela proteína Transtirretina, uma molécula produzida no fígado que é responsável pelo transporte de Vitamina A e uma hormona da Tiróide no sangue. Alguns anos mais tarde, Maria João Saraiva descreveria o erro genético que afecta aquela proteína e é responsável pela doença. Uma minúscula alteração genética que torna a Transtirretina instável e com tendência para se agregar na forma de amilóide. Este conhecimento está na base de todas as terapias desenvolvidas para a PAF e desde logo permitiu começar a fazer testes pré-sintomáticos a familiares de portadores. Esse mesmo teste quando aplicado no embrião, por um método desenvolvido por Filipa Carvalho e Alberto Barros, da Faculdade de Medicina do Porto, permite ainda oferecer aos portadores de Paramiloidose a possibilidade de não passarem a doença aos seus filhos.

“A História de um erro” é um misto de tudo isto, de histórias de portadores, familiares, médicos, assistentes sociais, cientistas e dirigentes associativos, que ganham significado umas nas outras, para ajudar a compreender o impacto individual, familiar e social desta a doença que atravessa famílias há gerações.