Entre a fase sem sintomas e o diagnóstico de Doença de Crohn (DC) podem decorrer anos, mas as alterações imunológicas que acontecem no intestino são enormes. O que acontece na mucosa intestinal? O que causa a inflamação do intestino? Como podemos prevenir? Estas são algumas das perguntas a que o projeto GlycanTrigger, recentemente financiado com sete milhões de euros pelo Programa Horizon Europe da Comissão Europeia, irá responder. Liderado pelo Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), o projeto tem como objetivo prever, intervir precocemente e prevenir a DC.

Salomé Pinho, líder do grupo de investigação do i3S «Immunology, Cancer & Glycomedicine», que coordena este projeto europeu, explica que na Doença de Crohn “há evidências da existência de uma fase pré-clínica (em que ainda não há sintomas) que se caracteriza por alterações imunológicas ao nível da mucosa intestinal e que precedem a sintomatologia. Este período pré-clínico/assintomático pode durar anos”.

Neste projeto, acrescenta a investigadora, “propomos uma abordagem completamente inovadora para melhor compreender a transição da saúde (de uma mucosa intestinal normal) para a inflamação crónica do intestino. Trata-se de um projeto transformador cujos resultados serão traduzidos numa melhor compreensão dos mecanismos específicos que levam à inflamação intestinal e consequentemente à capacidade de prever e prevenir a doença”.

Pela primeira vez, sublinha Salomé Pinho, “vamos estudar como é que as alterações na mucosa intestinal (concretamente na camada protetora formada por açucares/glicanos que cobre toda a superfície do intestino) poderão atuar como um evento primário, que desencadeia a desregulação do microbioma intestinal, levando consequentemente à ativação da resposta imunitária do intestino, com produção de anticorpos, que funcionará como um gatilho precoce que promove a transição da saúde para a inflamação do intestino”.

Novas estratégias para travar a Doença de Crohn

Durante os próximos seis anos, a equipa pretende também estudar de que forma estas alterações que desencadeiam a doença podem ser detetadas no sangue e, desta forma constituir, um novo biomarcador capaz de prever o início da inflamação intestinal anos antes de um diagnóstico de DC. Em conclusão, “teremos novas ferramentas preditivas da doença e novas estratégias de intervenção precoce para prevenir a inflamação intestinal e a DC”.

Este projeto, designado «Glicanos como desencadeadores-chave na transição da saúde para a inflamação intestinal» envolve uma equipa multidisciplinar de nove parceiros europeus e norte-americanos. Enquanto entidade coordenadora, o i3S irá receber quase 3,5 milhões de euros para desenvolver grande parte das análises laboratoriais e dos modelos experimentais, que vão desde estudos celulares, a modelos animais complexos e análises em amostras de doentes.

Dentro do i3S, para além da coordenadora do projeto, Salomé Pinho, vão participar os investigadores Joana Gaifem, Inês Alves, Manuel Vicente, Cláudia Rodrigues e Eduarda Gomes do grupo «Immunology, Cancer & GlycoMedicine», e os investigadores José Carlos Machado e Fátima Carneiro, do grupo «Intercellular Communication and Cancer».

Para concretizar os objetivos do GlycanTrigger, a equipa vai recorrer a tecnologias de ponta em diferentes áreas de investigação e clínica, complementadas com análises detalhadas de amostras de doentes com DC (antes e depois da doença), para o qual irá também contar com a colaboração do serviço de gastroenterologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto. A participação de uma associação europeia de doentes com Doença Inflamatória Intestinal garantirá o envolvimento da sociedade civil e o impacto deste projeto na melhoria da qualidade de vida dos doentes com DC.

Para além do i3S, são parceiros do projeto GlycanTrigger as seguintes instituições: Hospital da Luz – Lisboa, Portugal; Sorbonne University – Paris, França; Charité – Berlim, Alemanha; Leiden University Medical Center (LUMC) – Leiden, Países Baixos; Ichan School of Medicine at Mount Sinai, NYC, EUA; Ludger company – Oxford, Reino Unido; European Federation of Crohn’s and Ulcerative Colitis Associations (EFCCA) – Bélgica; e Sociedade Portuguesa de Inovação (SPI) – Portugal.