Camila Portugal, primeira autora do artigo, e João Relvas, coordenador da equipa. (Foto: i3S)

Uma equipa internacional de investigadores, liderada pelo investigador João Bettencourt Relvas, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), da Universidade do Porto, descreve na revista Science Signaling a regulação da captação de vitamina C pelas células do sistema nervoso central, que inclui o cérebro. A vitamina C é um anti-oxidante que pode regular a inflamação presente em muitas doenças neurodegenerativas. Segundo o artigo, é a presença e funcionamento de um transportador dessa vitamina nas células da microglia, o SVCT2, a chave para uma boa resposta anti-inflamatória.

As células da microglia, células de defesa residentes do sistema nervoso, monitorizam continuamente o cérebro para detetarem alterações patológicas iniciadas após infeção por bactérias ou vírus, ou decorrentes de doenças neurológicas, como por exemplo a doença de Parkinson, Alzheimer ou a esclerose múltipla. Qualquer agressão ao cérebro é prontamente identificada pelas células da microglia que ao ficarem ativadas desencadeiam uma resposta inflamatória local que ajuda a restabelecer o normal funcionamento do cérebro. No entanto, “se por um lado a inflamação moderada ajuda nos processos regenerativos e de cicatrização, quando se torna crónica pode, ela mesma, levar à destruição das células e à morte dos tecidos, com efeitos dramáticos no caso do cérebro”, explica João Relvas.

No trabalho agora publicado, os investigadores demonstram que a ativação das células da microglia e a inflamação por elas originada é regulada pela quantidade de vitamina C (na sua forma de ascorbato) dentro das células. A vitamina C é o anti-oxidante natural mais importante no nosso organismo, mas ao contrário de outros animais que a produzem, nos seres humanos ela é inteiramente proveniente da dieta, e a sua carência pode provocar escorbuto, uma doença que assolou as tripulações de Fernão de Magalhães e Vasco da Gama, nas viagens marítimas do século XVI.

O aumento do stress oxidativo é uma ocorrência comum em muitas doenças neurológicas e pode causar disfunção e morte neuronal, sendo por isso que a equipa liderada por João Relvas estuda o papel da vitamina C e de outros antioxidantes na proteção do cérebro. Os investigadores mostram também neste estudo que a vitamina C , na sua forma de ascorbato, é transportada de fora para dentro das células da microglia por um transportador de vitamina C, o SVCT2, presente na superfície dessas células. Na opinião de Camila Portugal e Renato Socodato, membros da equipa e primeiros autores nesta publicação, “ o transportador SVCT2 e a sua capacidade de transportar ascorbato para o interior da célula é a chave para regular a ativação da microglia e a inflamação no cérebro. Se o SVCT2 for removido das células da microglia, e consequentemente houver pouca vitamina C dentro delas, inicia-se imediatamente um processo inflamatório que, se exacerbado, poderá ter graves consequências para o cérebro.”

Os investigadores adiantam ainda que “a redução da quantidade do transportador e do transporte da vitamina C, poderá eventualmente contribuir para a progressão de várias doenças neurológicas”, e “perceber como é que o SVCT2 é regulado nas células nervosas poderá abrir inúmeros caminhos terapêuticos, e é uma das prioridades da nossa investigação”, acrescenta João Relvas.