Uma equipa internacional, que integra o investigador Tiago Dantas, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), publicou recentemente um estudo no qual desvenda o papel crucial de uma proteína – a RILP – na auto-limpeza e “reciclagem” dentro das células do sistema nervoso central (um processo conhecido como autofagia).

A descoberta, que merece honras de capa na última edição da revista científica Developmental Cell, pode ser fundamental para a compreensão de algumas doenças neurodegenerativas que resultam da acumulação de detritos celulares e do caos no transporte intracelular nos neurónios.

As nossas células são como cidades altamente organizadas e ecológicas que reciclam todos os resíduos, organelos ou moléculas que já perderam a sua utilidade ou funcionalidade. Este processo é realizado em centros de reciclagem especializados (autofagossomas) existentes nas células, sendo que o material a reciclar é transportado para lá através de uma rede de estradas, os microtúbulos. O transporte tem de ser efetuado de forma organizada em vesículas de reciclagem movidas por motores moleculares, o que é particularmente importante quando as distancias são longas, como no caso dos neurónios, que possuem prolongamentos que podem atingir mais do que um metro.

O estudo agora publicado por um grupo de cientistas da Columbia University, em Nova Iorque, em colaboração com Tiago Dantas, demonstra precisamente a importância da proteína RILP no processo de reciclagem dos neurónios, em que os motores têm que transportar as vesículas por longas distâncias.

Na verdade, explica o investigador do i3S, «a abundância da RILP na célula estimula o bom funcionamento do processo de reciclagem». Além disso, esta proteína «controla também o momento adequado em que as vesículas de reciclagem se ligam aos motores para serem transportadas das extremidades até ao centro da célula, onde se agrupam em grandes centros de reciclagem».

Tiago Dantas e Noopur V. Khobrekar, primeira autora do artigo. (Foto: i3S)

Segundo Tiago Dantas, “muitas das doenças neurodegenerativas resultam do mau funcionamento do tráfego dentro das células nervosas, quer pela simples acumulação de resíduos que não seguem corretamente para a reciclagem, quer por haver um tráfego descontrolado e caótico que impede o bom transporte de outros componentes essenciais nas diferentes partes das células”.

Ao controlar corretamente o momento de transporte das vesículas por motores e a evolução do processo de reciclagem, adianta o investigador, “a RILP transforma-se numa peça fulcral para evitar o caos no transporte intracelular”.

“Trata-se de ciência básica”, sublinha o investigador, mas “o objetivo a longo prazo, é que o conhecimento destes mecanismos permita desenvolver novas terapias que melhorem a reciclagem e o transporte intracelular, de forma a reduzir a neurodegeneração”.