Holobionte ou o Princípio Canibal é uma experiência que nos vai “virar do avesso”. Denunciar a violência dos processos naturais que determinam o sucesso de uma gestação. Com a promessa de nos desassossegar, a experiência vai acontecer de 8 a 11 de dezembro, no Laboratório Ferreira da Silva, em pleno Polo Central do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto (MHNC-UP).

Holobionte (substantivo masculino; etim. do Grego Holo-todo; bios-vida) é o nome atribuído a um organismo hospedeiro que sobrevive graças a um sistema de simbioses integradas com múltiplos agentes, como bactérias, fungos, etc. Daí, esta instalação/performance acontecer no local perfeito: o Laboratório Ferreira da Silva.

A performer Maria Inês Marques, explica que a performance “mimetiza narrativas científicas e protolocos de laboratório por isso fazia sentido desenvolver-se num local associado à tradição científica”. É uma obra “que se pode adaptar a diferentes espaços de divulgação científica.

Em contexto site specific, a experiência envolve cenografia, sonoplastia, vídeo, performance e público. Implica a intervenção do público, sendo por isso uma “instalação interativa”. Quem entrar, será convidado a interagir com os objetos que estão em exposição numa espécie de “Gabinete de Curiosidades” e a refletir sobre a violência e fagia implícitas nos processos de gestação e maternidade.

A alavanca para a construção destes gabinetes foram os conceitos de simbiose e devoração, os processos de tensão e negociação que estão na base e subjacentes à vida. O fenómeno intenso de autofagia e do ciclo morte-vida. Como nos recorda o filósofo italiano Emannuele Coccia, “Viver é essencialmente viver da vida de outrem (…) Existe uma espécie de parasitismo, de canibalismo universal que é próprio do domínio do vivo”.

Holobionte ou o Princípio Canibal convida a seguir um percurso desafiador…. Para ajudar o público a fazer o caminho, haverá duas interpretes- guias. A cada passo, o que se pretende é subverter a estética voyeurista e as estratégias de colecionismo e exibição que caracterizaram os famosos cabinets of curiosities, populares nas sociedades ocidentais durante o renascimento e iluminismo por conservarem ou recriarem raridades, objetos “exóticos”, anomalias e casos de estudo do mundo natural. Inspiradas nesta estética barroca, vai deparar-se com estações interativas. As paisagens sonoras que vai ouvir? São baseadas na descrição de processos bioquímicos específicos.

Holobionte ou o Princípio Canibal

Dessacralizar o ato da gestação

A instalação parte de descobertas científicas que estabelecem uma relação entre gestação e cancro. É o caso da simbiogénese (introduzida no início do século XX pelo biólogo russo Constantin Mereschkowsky e definida como a origem de organismos pela combinação ou associação de dois ou mais seres que entram em simbiose) e da teoria do Holobionte (de Lynn Margulis, René Fester, S.F. Glbert e Emanuele Coccia que consideram os seres humanos, os animais, as plantas e os microorganismos associados a cada um deles como uma unidade evolutiva, que estabelece relações genéticas e metabólicas para uma melhor adaptação ao meio).

Partindo de uma matriz feminista, este trabalho procura ainda resgatar a relação entre progenitora-filho/a/x dos discursos patriarcais, religiosos e culturais, aproximando-a do fenómeno de convivência no seio do Holobionte. Trata-se de dessacralizar o ato da gestação. Existem ainda “narrativas que santificam a maternidade como um fenómeno sublime, e não falam desta violência”, acrescenta a performer.

Holobionte ou o Princípio Canibal parte da leitura de uma obra de Sophie Lewis sobre direitos reprodutivos, “nomeadamente no contexto das barrigas de aluguer”, sendo que o prefácio explora a violência biológica (pela sua eficácia) do processo de gestação humana”, acrescenta Maria Inês Marques. Uma violência inerente “à convivência desde os primeiros dias de gestação”.

Quem percorrer este Gabinete de Curiosidades vai ser desafiado a descobrir outros “fenómenos simbióticos necessários para a evolução das espécies”, como é o caso da “troca entre plantas e fungos. É um gabinete que explora essa devoração e essa violência inerentes à coabitação das espécies. Mecanismos de invasão celular associados à biologia evolutiva”. Maria Inês Marques parte ainda, para o seu trabalho, de “estudos que associam a permeabilidade das progenitoras a cancros que metastizam”. Uma espécie de “pacto com o Diabo”.

Estreia em oito atos

Herdeiro de um diálogo íntimo entre ciência e dramaturgia, Holobionte ou o Princípio Canibal, com Camilla Morello e Maria Inês Marques, vai ser exibido pela primeira vez no Laboratório Ferreira da Silva.

Concebida para espaços não convencionais, nomeadamente em contextos museológicos e instituições de divulgação científica, a instalação-performance terá lugar de quinta-feira a sábado, das 19h30 às 20h30 e das 21h00 às 22h00. No domingo será das 18h00 às 19h00 e das 19h30 às 20h30 (Permanência livre).

Como a lotação é reduzida, os interessados devem fazer a reserva do lugar para o e-mail [email protected]

O projeto conta com o financiamento da Direção-Geral das Artes (Ministério da Cultura), do Fundo Cultural SPA-AGECOP e do programa Reclamar Tempo (Campus Paulo Cunha e Silva / Teatro Municipal do Porto), do qual foi um dos vencedores na edição 2021-2022.