Sombras que não quero ver são cavalos de Troia. Trazem infiltrados para “desassossegar” os espíritos, fazer interferências nas linhas de raciocínio e “perturbar” o ritmo dos dias. Helder de Carvalho quer “semear” o trabalho em território que possa, realmente, gerar frutos. Junto dos “arqueólogos do pensamento”. Dos que trabalham os problemas para encontrar soluções. Ora, nem mais: os estudantes. O artista vai ter obras espalhadas pelos diferentes polos da Universidade do Porto e a Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação (FCNAUP) é a primeira unidade orgânica a ser “desinquietada”, já a partir do dia 18 de abril.

Sombras que não quero ver

“As sombras vão aparecer”, avisa Helder de Carvalho. E para que haja sombra “é necessário um objeto ou uma forma que a provoque”. No caso em concreto, vai ser uma forma humana. “E se a forma marca pela negativa, talvez não a queiramos ver. Por  comodismo posso não a querer ver, contudo, ela existe”. Daí que esta “Odisseia pelo campus universitário” seja “uma provocação”. Intencionalmente, vai “obrigar as pessoas a verem o que não querem ver”. E, neste exercício, incluiu-se a si próprio. “Estou a ver o que não gostaria de ver. Mas ao denuncia-lo gostaria que deixasse de acontecer”.

Helder de Carvalho a trabalhar na primeira peça da série “Sombras que não quero ver”, e que será inaugurada nas instalações da FCNAUP.

O dia em que os pobres só terão os ricos para comer

Atento ao que o rodeia, Helder de Carvalho recria vivências, interpretando-as plasticamente. A guerra na Ucrânia, por exemplo, que a que todos assistimos, é uma realidade da qual não se consegue alhear e que, sublinha, “nos mostra o homem na sua versão mais bestial e terrífica”. Esta foi, de resto, a inspiração para um trabalho recentemente exposto na estação de São Bento, no Porto. Mas não é só em cenários de guerra que esta visão se manifesta, acrescenta.

“Há muitos outros fatores que nos levam a interrogar até onde a maldade humana pode chegar. E a que preço”. Foi a partir desta ideia que nasceu a vontade de se questionar a si próprio e aos outros sobre a bestialidade humana. E, claro, como artista, de a interpretar.

O ponto de partida para a criação vai ser a escrita. Podem ser frases, poemas ou textos escritos. A primeira frase a servir de inspiração é: Haverá um dia em que os pobres só terão os ricos para comer, referida num texto de Gonçalo M. Tavares.

Porquê a FCNAUP? A obra a inaugurar a 18 de abril  vai explorar conceitos em torno da alimentação, da “importância da aprendizagem e do equilíbrio na alimentação. Questões à volta da obesidade, mas também da miséria. E da fome”.

A obra é um diálogo em construção

A obra resulta da conjugação de vários fatores, entre dois essenciais: os materiais que escolhe e o processo de experimentação ao qual, com eles, o artista se entrega. Escolhe-os por, a montante, já transmitirem uma determinada linguagem. Textura. Sensação. Sabe que vão emitir a frequência que lhe interessa. Pelo caminho, importa que o resultado conduza à visão que quer introduzir. À medida que os trabalhos vão avançando, o diálogo que se vai estabelecendo entre o artista e os materiais é crucial.

“O instalar, construir, recriar, refazer, deitar fora e voltar a assumir. Esse percurso é muito interessante. Por vezes dou conta que parei, num determinado momento e já perdi a oportunidade de ‘o’ ter feito… e não chego a recupera-lo. Essa experimentação é-me bastante natural”, diz.

Acontece, inclusivamente, obter o resultado que é, acima de tudo, determinado pelos materiais escolhidos pelo artista. “Eu não consigo modelar o aço. Vou saber usa-lo em função das suas características. O domínio da técnica vai-se adquirindo o que, só por si, é uma construção”.

Pormenor da primeira peça da série “Sombras que não quero ver”, que ficará exposta na FCNAUP a partir de 18 de abril. (Foto: DR)

Sobre Helder de Carvalho

Formou-se em Artes Plásticas na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP), onde foi aluno, entre outros, dos escultores Alberto Carneiro e Zulmiro de Carvalho, dos pintores Álvaro Lapa e Jorge Pinheiro, do crítico de arte Fernando Pernes (1936-2010) e do historiador Flávio Gonçalves (1929-1987).

Em 2005 fez o Mestrado em “Art Craft and Design” pela Universidade de Roehampton, em Londres, em parceria com a Universidade do Minho. Foi professor e hoje dedica-se, em exclusividade, à prática das artes plásticas, preferencialmente à escultura.

Já expôs na Bienal de Escultura e Desenho das Caldas da Rainha (1987 e 1989), na Cooperativa “Árvore” (Porto, 1995), na Fundação Engenheiro António de Almeida (Porto,1997), na Galeria “Porto Oriental (Porto, 2021 e 2022), no Museu Municipal de Arte Moderna Abel Manta (Gouveia), na Bienal de Arte Contemporânea de Trás os Montes (Macedo de Cavaleiros, 2022) e, mais recentemente, apresentou  Espessa Escuridão, na Estação de Metro de São Bento, no Porto, em 2022.

É autor de um vasta obra pública dispersa pelo país, da qual se destacam bustos como o de António de Almeida (Fundação Eng. António de Almeida, Porto); Corino de Andrade (Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Porto); a Estátua de Abel Salazar (Jardim Carrilho Videira, Porto); o Busto de Edgar Cardoso (Vila Nova de Gaia) e a Estátua de Rocha Peixoto (Póvoa de Varzim).