Mapa de distribuição dos haplótipos para o gene OSBPL10 onde é nítida a diferença entre as populações europeia e africana para este gene de resistência à Dengue. (in https://doi.org/10.1371/journal.ppat.1006220)

Investigadores do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) integram uma equipa que identificou um conjunto de genes que conferem resistência à febre hemorrágica decorrente da infecção pelo vírus da Dengue. Dois genes, o OSBPL10 e o RXRA, parecem ser o passaporte para indivíduos com ancestralidade africana passarem incólumes a uma segunda infecção pelo dengue, ao contrário das populações europeias. O trabalho insere-se num estudo mais amplo do consórcio europeu DENFREE que tem por objetivo compreender a febre da Dengue e o risco específico das populações europeias a esta doença infecciosa.

A Dengue é uma infeção disseminada por vários pontos do globo, que é transmitida por duas espécies relacionadas de mosquito, o Aedes albopictus e o Aedes aegypti, este último presente na Madeira. Conhecem-se quatro estripes do vírus da dengue e, normalmente, a sintomatologia da primeira infeção assemelha-se muito a uma gripe ligeira, acabando por conferir imunidade aos infetados. Uma segunda infeção com uma nova estirpe é por isso combatida sem grande manifestação de doença na maioria da pessoas. Mas uma percentagem da população, cerca de 1%, manifesta uma sobre-reação numa segunda infeção, a qual conduz a febres hemorrágicas graves, podendo ser fatais.

Desde o início do século XX que os médicos cubanos tinham observado que os cubanos que apresentavam sintomatologia grave da Dengue eram os de pele mais clara de origem europeia, em oposição aos cubanos de pele mais escura com maior herança africana. Por outro lado, e apesar da Dengue estar completamente instalada em África (vírus e vector circulam neste continente), são raros os registos de autóctones que apresentam febre hemorrágica, sendo principalmente afetados os imigrantes não-africanos. Noutras regiões, como a América do Sul onde o Dengue está presente, não é fácil perceber com clareza as relações de ancestralidade e a resistência à febre hemorrágica.

Para compreender esta aparente relação entre a ancestralidade e a resistência a uma segunda infeção à Dengue, o consórcio DENFREE virou a atenção para a população cubana por duas razões principais. Por um lado, porque “a Dengue não é endémica em Cuba, surgindo em surtos com intervalos de anos, permitindo discernir claramente resistência num segundo surto, situação impossível de controlar em países onde a doença é endémica, mas também porque “é uma população com vários graus de miscigenação, permitindo estabelecer uma relação entre ancestralidade e a resistência demonstrada”, explica Luisa Pereira, autora do trabalho e investigadora do i3S.

Assim, a equipa rastreou no perfil genético da população cubana quais os genes candidatos a esta proteção, descobrindo dois genes responsáveis pelo fenómeno, o OSBPL10 e o RXRA. Luísa Pereira, uma das coordenadoras da equipa, explica que “embora a dengue não seja uma doença muito mortífera, outras doenças relacionadas e mais perigosas como a febre amarela podem ter levado à selecção de mecanismos genéticos de protecção nas populações de origem africana, que também protegem contra o vírus da dengue. Esta protecção adquirida em África migrou para outras regiões do globo com a escravatura transatlântica”.

A equipa do i3S continua a trabalhar com os parceiros do Instituto Pasteur em Paris e do Instituto Pedro Kourí em Havana para compreender os mecanismos moleculares nos quais estes dois genes estão envolvidos. Algumas coisas já se sabem, “o OSBPL10 e o RXRA estão envolvidos no metabolismo dos lípidos e estes são essências para a multiplicação dos vírus dentro das células”, explica Luísa Pereira. Sobre a descoberta, afirma que “é mais um passo para ajudar a prever como as populações reagirão a surtos da Dengue, embora seja claro que outros factores genéticos e não-genéticos influenciam a predisposição para um indivíduo manifestar febre hemorrágica”.