Não, não é ficção. J. H. Andresen, A Família, a Empresa e o Tempo 1841-1942 resulta de dois anos de investigação e faz cair por terra alguns “mitos”. Quem o garante é Gaspar Martins Pereira, autor da obra e professor catedrático aposentado do Departamento de História e de Estudos Políticos e Internacionais da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP).

Com chancela das Edições AfrontamentoJ. H. Andresen, A Família, a Empresa e o Tempo 1841-1942 vai ser lançado no próximo dia 29 de novembro, às 18h00, na Galeria da Biodiversidade – Centro Ciência Viva do Museu de História Natural e da Ciência da U.Porto (MHNC-UP). Um momento que será assinalado com o descerramento do busto de João Henrique Andresen, um dos “heróis” da história que se segue…

A Saga de Hans

Foi pela mão de Sophia (de Mello Breyner Andresen) que conhecemos o jovem Hans. Vivia na Dinamarca, no interior da ilha de Vig, no mar do Norte, com o pai Sören, a mãe Maria e a irmã Cristina. O seu maior sonho era enfrentar o mar. Mesmo contrariando a vontade do pai, queria era saltar para um navio e navegar para Sul. E assim fez. Fugiu num cargueiro inglês, alistou-se como grumete, e abandonou o navio logo na primeira paragem. Sozinho, numa cidade desconhecida e sem compreender a língua, Hans foi acolhido por Hoyle, um armador e negociante inglês.

Aos 21 anos, Hans era já capitão de um navio. Quando adoeceu, Hoyle tornou-o sócio e confiou-lhe todos negócios. É assim que, no conto Saga, Hans se transforma num notável membro da burguesia portuense.

A verdadeira história do jovem que, afinal, não se chamava Hans

Era dinamarquês sim, mas chamava-se Jann Hinrich Andresen (1826-1894). Foi, realmente, grumete de um veleiro que aportou na Ribeira para se abastecer, altura em que Jann Andresen aproveitou para saltar para terra, fugindo assim às “iras do capitão”, diz-nos a sinopse do livro.

Iniciava-se assim uma “longa «saga» familiar e empresarial”. Tinha 15 anos quando deu por si de bolsos vazios, num país totalmente estranho. Foi acolhido por um comerciante que o emprega como caixeiro. Efetivamente, e graças à confiança e cumplicidade que vão estabelecendo, formam sociedade em 1845.

Jann Hinrich Andresen obtém a nacionalidade portuguesa, cria o próprio negócio e, para além da navegação, dedica-se também “à destilação e à moagem, aos vinhos e à tanoaria”. Chega mesmo a tornar-se “o maior armador e um dos mais ricos e influentes empresários do Porto. Na década de 1880, no limiar da euforia da borracha amazónica, funda uma filial em Manaus e cria uma linha transatlântica de navegação a vapor, com ligações ao Brasil, Nova Iorque e Liverpool”.

À medida que os negócios prosperam a família vai crescendo. Gaspar Martins Pereira fala-nos da descendência gerada no Porto que segue por diversos caminhos. Os filhos anteriores ao casamento são enviados para a ilha de Föhr, ao cuidado da irmã Gardina, emigrando depois para os EUA. Outros dão continuidade à empresa paterna e afirmam-se entre a elite portuense.

No início do século XX, com a crise da borracha amazónica, o fim da linha de navegação e a perda de controlo na indústria moageira os negócios da J. H. Andresen, Sucessores sofrem um declínio ao qual não é alheio o impacto da Grande Guerra. A casa de comércio de vinhos resistiu até à venda das quotas dos vários irmãos e herdeiros a novos proprietários, cujos descendentes ainda hoje mantêm ativa a firma com o nome do fundador.

Palacete de Nova Sintra. Residencia da família Andresen desde 1870.. (Foto: Alberto Henrique Andresen, 1885. Col. Peter McManus)

Um desafio lançado pelo bisneto de João Henrique Andresen

J. H. Andresen, A Família, a Empresa e o Tempo 1841-1942 nasce porque um busto lembrou que havia uma “saga” por contar. Passamos a explicar: A investigação que levou ao surgimento deste livro partiu de um desafio lançado por João van Zeller, bisneto de João Henrique Andresen.

A história começa então quando João van Zeller descobre que um busto do bisavô ia a leilão. Trata-se de uma escultura em mármore, datada de 1896 e da autoria de Simões de Almeida Júnior. O bisneto decidiu resgatar a peça e doá-la à U.Porto que agora ficará no Jardim Botânico, onde se encontra a Galeria da Biodiversidade, antiga casa dos avós (J. H. Andresen Júnior e Joana Lehmann) de Sophia de Mello Breyner e de Ruben A.

Este reencontro da personagem com o seu território fez com que João van Zeller quisesse ir um pouco mais longe. Havia ainda muito por esclarecer sobre o percurso de sucesso deste “jovem empreendedor”.

Foi nesse sentido que desafiou Gaspar Martins Pereira a investigar a história familiar e empresarial de J. H. Andresen e dos seus descendentes até à terceira geração. Desafio aceite até porque, diz o autor, “do pouco que conhecia da história de J. H. Andresen considerava-o um personagem fascinante da história do Porto do século XIX”.

Foi com a colaboração da investigadora Paula Montes Leal, “no levantamento de fontes muito dispersas em diversas bibliotecas e arquivos públicos e privados” que o autor pôde constatar que “a história de J. H. Andresen é ainda mais interessante do que imaginava…”

A apresentação de J. H. Andresen, A Família, a Empresa e o Tempo 1841-1942 caberá ao jornalista Germano Silva e à historiadora Maria do Carmo Serén. A entrada é livre, ainda que limitada à lotação do espaço.

O autor, Gaspar Martins Pereira

Sobre Gaspar Martins Pereira

Gaspar Martins Pereira é professor catedrático aposentado do Departamento de História e de Estudos Políticos e Internacionais da FLUP e investigador do CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço & Memória.

Tem desenvolvido vários projetos de investigação em História Económica e Social Contemporânea, em particular nas áreas de História da Família, História Empresarial e História da Vinha e do Vinho.

É autor de mais de duas centenas de artigos, capítulos e livros, entre os quais O Douro e o vinho do Porto de Pombal a João Franco (1991), Famílias Portuenses na viragem do século, 1880-1910 (1995); No Porto romântico, com Camilo (1997); Roriz. História de uma quinta no coração do Douro (2011), Rede Europeia Anti-Pobreza Portugal: 25 anos a construir caminhos para a erradicação da pobreza (2016), Quinta de Santa Eufémia: vinhos com história (2020).