O que se pode ver pela fresta de uma porta? Que histórias contam as fendas de um edifício? Pode haver histórias que não queiram contar? Há uma nova exposição, que coloca questões, para ver e ouvir na Casa-Museu Abel Salazar (CMAS) a partir de 9 de setembro. Distribuídas pelos três andares do edifício, estão cerca de 30 obras em diferentes linguagens (vídeo, pintura, instalação, escultura, fotografia, desenho) e pequenas intervenções em peças do próprio museu.

A exposição Fresta, Fenda ou Ruído resulta da revisitação da memória, da contaminações de contextos (entre o passado e o presente), e de novas perspetivas construídas com base na experiência no terreno. Quem traz este olhar novo são os estudantes de doutoramento da Faculdade de Belas Artes da U.Porto (FBAUP).

Que vozes sussurram entre as rachaduras de uma parede?

A CMAS não é “um espaço neutro”, ou seja, um “cubo branco”, ressalva a curadora, Gabriela Carvalho. É “uma residência, tornada museu”, que está “repleta de histórias, onde somos convidados a entrar e conversar”.

Da proposta de traçar pontos de convergência com o espaço, a exposição “entra por meio das frestas narrativas da CMAS e abre outras fissuras, por meio da fricção entre o que lá está e o que está a chegar”.

Segundo a curadora, os artistas procuraram “potencializar este encontro, mas mantendo a singularidade do trabalho de cada um”. Coube-lhes questionar “as perspetivas da narrativa que está a ser contada”, mas também o que não foi considerado “na construção de uma Casa-Museu, um monumento à figura de Abel Salazar”. Ou seja, “que outras vozes sussurram entre as rachaduras das paredes, nas frestas da madeira, no vasto espaço silencioso que escapa à luz da História?”, completa Gabriela Carvalho

Fotografia de Luciana Padilha. Integra a série “Sudorese”. Em exposição na CMAS.

As peças pretendem assim levar-nos a pensar nas “narrativas históricas”, e nas “questões políticas, económicas e sociais com as quais Abel Salazar já se mostrava engajado no século passado” e que emergem com “outras dimensões” de acordo com as pesquisas aqui apresentadas.

O fio que “entrelaça cada uma das obras à história e espólio da casa” é a intervenção na “estrutura museológica”, com as suas “brechas, frestas e silêncios”, por onde se esgueiram as novas obras. Quando os artistas entram e reorganizam o espaço ,”colocam em tensão as memórias ali conservadas, com pensamentos e criações do tempo presente”.

O convite a espreitar

“Fresta”, ou “Fenda” são expressões que convidam a uma aproximação do olhar. O ruído? É uma consequência natural da “fricção entre as diversas narrativas, a multiplicidade de vozes que se sobrepõem” numa exposição coletiva que habita “uma casa cheia de histórias, objetos, monumentos e fantasmas”.

Fresta, Fenda ou Ruído junta a voz de Abel Salazar à dos artistas, “por meio de pequenas intervenções” em documentos, móveis paredes e portas. Uma convivência que abre vias de diálogo. Vozes que fazem perguntas ao museu e aos seus monumentos. Que celebram o encontro com algum ruído e muitas dúvidas”.

“Fresta, Fenda ou Ruído”, para ver e ouvir na CMAS. (Foto: DR)

Gabriela Carvalho sublinha ainda o facto de se colocar em paralelo a produção artística de um académico que era também um artista do século passado “e a realidade de hoje”, com investigações de artistas contemporâneos “na mesma instituição à qual Abel Salazar pertencia”.

Participam da exposição: Aleksandra Kalisz, Ana Almeida Pinto, Camila Tisott, Daniela Pinheiro, Eduardo Rocha, Gabriela Carvalho, Juliano Moraes, Luciana Padilha, Ludgero Almeida, Marta Belkot, Paulo Maias, Raquel Felgueiras e Xiang Xinyin.

Com entrada gratuita, Fresta, Fenda ou Ruído inaugura dia 9 de setembro, às 17h30. Depois deste momento inaugural, a exposição pode ser visitada até 8 de outubro, de segunda a sexta-feira, das 9h30 às 13h00 e das 14h30 às 18h00. Aos sábados, abre portas das 14h30 às 17h30. Encerra aos domingos e feriados.

Sobre Gabriela Carvalho

Com formação em Artes Visuais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela Università degli Studi di Bologna, Gabriela Carvalho é mestre na área de Artes pela UFMG, estudante de doutoramento em Artes Plásticas na Universidade do Porto, bolseira de Doutoramento pela FCT e investigadora no i2ADS/FBAUP.

Trabalhou como curadora e organizou exposições em diversos espaços transitando entre a cena independente, institucional e comercial da arte.  Destacam-se os projetos: Festival Camelo de Arte Contemporânea (espaços independentes de Belo Horizonte, 2016/2021); Laboratório Aberto em Palavra e Imagem (BDMG Cultural, 2017); Exposição Maquinações (Oi Futuro Flamengo, Sesc Palladium e Sesc Carmo, 2018); e Raiz Weiwei (CCBB, 2019), Revolver (Casa das Artes, 2020).

Para além de curadora, é escritora e investigadora na área das artes visuais.