A Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) coorganizou e acolheu, entre os dias 1 e 5 de julho, a EERA Summer School (EERASS) 2024. O evento anual da European Educational Research Association, direcionado para doutorandos e investigadores, reuniu cerca de 70 participantes de 27 nacionalidades, para além de 18 tutores de 4 países. Conferências, workshops e ações de networking constaram de um programa, que buscou também reconhecer o lastro africano no Porto através de um African Tour pela cidade.
De(s)colonizar a Universidade
Sob o mote “Educational Research in Europe: Decolonise, Democratize and Develop. Legacies and futurities”, esta edição da EERSS decorreu no mesmo ano em que se celebram os 50 anos da Revolução dos Cravos. Depois de 48 anos de ditadura, aos 3 F’s (Fado, Futebol e Fátima) impuseram-se os 3 D’s: Descolonizar, Democratizar e Desenvolver. Atualmente, com a ideia de Democracia ameaçada pela ascensão de partidos populistas e com o conceito de Desenvolvimento numa espiral evolutiva que se pretende sustentável, a De(s)colonização permanece um foco de debate, na Academia como no espaço público, cruzando diversas vertentes: o que significa de(s)colonizar a Arte, a Língua, a História, a Saúde, a Educação?
Dalila Pinto Coelho, Doutorada pela FPCEUP e Membro Integrado do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE), participou no evento enquanto tutora e palestrante, orientando estudantes que estavam, em muitos casos, a lidar pela primeira vez com a questão da De(s)colonização, nomeadamente no Ensino Superior, que constitui o novo foco da sua pesquisa.
Sublinhando a importância de reconhecer a natureza e o legado colonial das próprias instituições do “Norte Global”, a investigadora relembra que “o edifício Universidade é todo ele estruturado na premissa de que há conhecimentos que são mais válidos do que outros” e que “esses conhecimentos são ainda predominantemente provenientes de autores ocidentais e masculinos”.
Porém, nos últimos anos, foram vários os investigadores e coletivos que se debruçaram sobre o tema. Gesturing Towards Decolonial Futures é um desses coletivos – e é a partir de uma revisão dos seus contributos que podemos desenhar alguns cenários possíveis para práticas de(s)colonizadoras.
“Há o cenário da Equidade, Diversidade e Inclusão, que já está a ser implementado em muitas universidades norte-americanas e europeias. Em Portugal temos manifestações que vão nesse sentido, mas parecem-me ainda dispersas e com menor visibilidade do que noutros contextos. Ainda assim, se os esforços que já estão em prática se aliarem a uma perspectiva de(s)colonial, podem surgir pequenas bolsas de mudança”, destaca Dalila Pinto Coelho.
“Um segundo cenário”, continua, “remete para a criação de alternativas radicalmente distintas e que são promovidas pelas pessoas mais afetadas diretamente pelas exclusões. Um terceiro cenário aponta para o “Hacking”, uma espécie de “Hackeamento” do sistema, que supõe a introdução gradual de práticas e preocupações decoloniais, tendo em vista um horizonte que é muito maior e que não é suposto que as instituições permaneçam como estão. Um quarto cenário, “Hospicing”, defende que é preciso providenciar, de forma continuada, os cuidados “paliativos” para as instituições da Modernidade e apoiar a criação de novas formas de viver em coletivo. Há uma grande componente de disrupção em tudo isto, não apenas a nível institucional mas também pessoal, afetivo, relacional”.
Dalila Pinto Coelho está na fase inicial de um projeto de investigação intitulado “Decolonising Higher Education and envisioning the Education dimension: towards a comprehensive view”, que reúne também outros docentes e investigadores da FPCEUP (Joana Rios, Pedro D. Ferreira, Isabel Menezes e João Caramelo) e que permitirá a recolha empírica de dados sobre como as instituições de Ensino Superior se estão a posicionar perante a necessidade da implementação de práticas mais inclusivas e de conhecimentos mais diversos. “A informação disponível, por enquanto”, continua a investigadora, “está sobretudo em língua inglesa, o que em si já diz muito. A própria máquina de publicação de conhecimento tem os seus vieses próprios: tende a deixar de fora línguas não dominantes e contributos dos países do Sul”.
De(s)colonizar o Futuro
De(s)colonizar a Educação, em Portugal, implica também questionar o endosso do Luso-Tropicalismo, cujas principais características foram abordadas noutra conferência da Summer School, da responsabilidade do psicólogo e investigador Joaquim Pires Valentim (Universidade de Coimbra). Dominante durante o Estado Novo, o Luso-Tropicalismo não desapareceu com o processo de democratização, nem com a integração de Portugal no projeto europeu. Atualmente, o investigador continua o seu trabalho focando a sua análise em quatro grandes áreas: manuais; espaço público (como nomes de ruas e estátuas); museus e produtos culturais relacionados com o passado colonial.
Outros palestrantes incluíram a Professora Vanessa Andreotti (Membro do Coletivo Gesturing Towards Decolonial Futures) e ainda a Professora Tanu Biswas (University of Stavanger), que integrou uma mesa redonda em que se questionou a importância de considerar o (não) lugar das crianças (e de outras pessoas a quem se atribuem características similares) nas mudanças necessárias com vista a uma de(s)colonização da educação.
Para de(s)colonizar o Futuro, há que desconstruir o passado e aceitar o desafio de um compromisso transgeracional. “As pequenas tentativas que cada um de nós faz não são para a nossa geração; da mesma forma que outras gerações investiram em conquistas das quais nós estamos a beneficiar só agora”, relembra Dalila Pinto Coelho. “O que me anima é uma profunda convicção de que tudo isto deve ser prosseguido com um grande nível de autovigilância e autoreflexidade. É muito fácil acharmos que estamos do lado certo da História, mas estamos todos dentro de um sistema. Descolonizar o Ensino Superior é também criar espaço para novas alternativas, que permitam uma maior justiça social.”
EERASS 2024 foi coorganizada pela European Educational Research Association, CIIE (FPCEUP), CEAD (Universidade do Algarve), CIEd (Universidade do Minho) e CIDTFF (Universidade de Aveiro) com o apoio da SPCE – Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação.