Deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer. A ciência confirma o ditado. Mas, na realidade, como estão a dormir as crianças portuguesas? Será que as noites mal dormidas têm reflexos no desenvolvimento dos mais pequenos? E qual é o papel dos ecrãs nesta história? Amigos ou maus da fita?

Estas são questões que muitos pais se colocam em relação aos seus próprios filhos. Agora poderão ter respostas, ao terem a oportunidade de participar no estudo SleePsy: Associação entre o sono e o desenvolvimento psicomotor na infância, desenvolvido pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).

O SleePsy é um estudo nacional longitudinal que visa desvendar a relação entre a quantidade e a qualidade do sono e o desenvolvimento psicomotor na primeira infância em crianças residentes em Portugal. Outro objetivo é analisar a relação entre a exposição à chamada “luz azul”, emitida pelos ecrãs (como os das televisões e dos smartphones), e os níveis da “hormona do sono”, a melatonina.

“A primeira infância é a idade de ouro do desenvolvimento cerebral. O modo como a criança dorme nestas idades terá influência em todo o percurso da criança, nomeadamente a nível escolar, e poderá condicionar o aparecimento de doenças na idade adulta”, explica Andreia Neves, estudante de doutoramento em Biomedicina da FMUP e investigadora principal do estudo.

Para avançar com este estudo, os investigadores da FMUP estão a formar uma “coorte” de crianças saudáveis, com idades compreendidas entre os dezoito meses e os dois anos. O recrutamento já está a decorrer em diferentes pontos do país (Porto, Vila Nova de Gaia e Lisboa), prolongando-se até junho de 2023. As crianças serão seguidas ao longo de dois anos. Ao todo, serão feitas três avaliações: no início do estudo; um ano depois e no final do estudo.

A influência da luz na qualidade do sono

O sono das crianças será avaliado com recurso a um aparelho não invasivo, semelhante a um relógio de pulso, devidamente validado e utilizado em meio hospitalar por pessoas de todas as idades. Este exame, designado actigrafia, irá medir também a quantidade de luz a que as crianças estão expostas.

“A luz influencia muito o sono. A evidência científica demonstra que a exposição a ecrãs está altamente relacionada com a qualidade do sono e com a capacidade de adormecer. Sabemos que as crianças cada vez se expõem mais precocemente a ecrãs. Por isso, a nossa ideia é medir, de forma objetiva, qual é a relação entre o tempo de exposição aos ecrãs e a qualidade do sono das crianças”, indica a investigadora da FMUP.

De acordo com Andreia Neves, “a recomendação é que as crianças não estejam expostas a ecrãs pelo menos duas horas antes de irem para a cama, mas sabemos que muitas famílias não cumprem. Por outro lado, medir objetivamente o espectro de luz é diferente de perguntar aos pais, que nem sempre têm uma perceção correta dessa exposição. Geralmente acreditam que os filhos estão menos expostos do que realmente estão”.

Para medir a melatonina, hormona naturalmente produzida pelo corpo humano e que contribui para regular o relógio biológico, os investigadores irão utilizar uma amostra de urina das crianças.

O desenvolvimento psicomotor, por sua vez, será avaliado através de uma escala própria (“Escala de Avaliação das Competências no Desenvolvimento Infantil” ou “Schedule of Growing Skills”) que mede oito áreas: a audição, a visão, o raciocínio, a motricidade fina e a grossa, a autonomia, a interação social e a cognição. Nesta avaliação, são utilizados, por exemplo, puzzles e jogos adaptados a cada idade.

Pôr o sono no centro do debate

Espera-se que os resultados do estudo SleePsy contribuam para conhecer melhor como dormem e como estão a desenvolver-se as crianças residentes em Portugal, permitindo emanar recomendações assentes em dados da vida real.

“A nível dos cuidados de saúde, as recomendações sobre o sono são muito díspares e muito difusas. Não há uma linguagem uniforme sobre boas práticas de sono para informar os pais. Os pais recebem muitas orientações sobre alimentação ou risco de quedas, por exemplo, mas o sono não é uma temática muito abordada”, alerta Andreia Neves.

“Nós pretendemos que este estudo traga evidências que suportem recomendações a prestar aos pais. É importante estudar o sono nestas idades para melhorarmos as nossas práticas”, conclui a investigadora.