A Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e o Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF), uma Organização Não Governamental de Cooperação para o Desenvolvimento (ONGD), assinaram recentemente um protocolo de cooperação, inserido no âmbito do Projeto PIMI III – Apoiar a Saúde Reprodutiva, Materna, Neonatal e Infantil rumo a um Sistema Universal de Cobertura de Saúde na Guiné-Bissau (2022-2025).

Assinado pelo diretor da FMUP, Altamiro da Costa Pereira, e pelo administrador executivo do IMVF, Ahmed Zaky, este protocolo, que entrou em vigor em 2023, vem formalizar e enquadrar a cooperação entre estas duas entidades no desenvolvimento de atividades de assistência clínica, capacitação de profissionais de saúde e investigação naquele país africano de língua portuguesa.

A coordenação clínica do PIMI III ficará a cargo de Ana Reynolds, professora da FMUP, por delegação do Departamento de Ginecologia-Obstetrícia e Pediatria (liderado por João Bernardes) desta Faculdade.

“Este protocolo deve-se à direção da FMUP, reconhecendo que esta Faculdade reforça a ambição de alargar horizontes e de abertura à sociedade e ao mundo, incluindo os países em desenvolvimento, com especial destaque para os países de língua oficial portuguesa”, congratula-se.

O principal objetivo desta colaboração passa por reduzir a taxa de mortalidade materna e das crianças com menos de cinco anos através de um melhor acesso a cuidados de Saúde Reprodutiva, Materna, Neonatal e Infantil de qualidade.

“É gratificante poder contribuir com algo que fui preparada para fazer. Eu sou médica. A principal missão de um médico é melhorar a saúde das pessoas e salvar vidas”, destaca Ana Reynolds, que esteve pela primeira vez na Guiné-Bissau em 2014, como voluntária, tendo regressado por diversas vezes desde então.

No âmbito deste projeto, a professora da FMUP e médica especialista em Ginecologia-Obstetrícia passará várias semanas naquele país. “Tenho essa vontade, essa disponibilidade e essa oportunidade, agora a nível institucional, o que me deixa muito feliz e que muito agradeço”, acrescenta.

Ana Reynolds, da FMUP, assume a coordenação técnica do projeto. (Foto: DR)

“Uma tentativa de passagem de testemunho”

Para além da Coordenadora Clínica, a equipa clínica inclui uma assistente da Coordenação Clínica, a médica guineense Vanira Almada, uma gestora da equipa clínica, Alcina Carvalho, enfermeira portuguesa especialista em Saúde Pública, e uma equipa de profissionais de saúde com 11 médicos, nove parteiras e 15 enfermeiros, todos guineenses, e um obstetra cubano. Prevê-se, entretanto, o alargamento da equipa clínica.

Este projeto irá abranger diretamente mais de 343 mil crianças até aos cinco anos de idade e cerca de 450 mil mulheres em idade fértil, além de beneficiar cerca de 1500 profissionais de saúde das regiões sanitárias abrangidas e 133 estruturas do sistema de saúde guineense, incluindo centros de saúde, hospitais regionais e o Hospital Nacional Simão Mendes.

“Esta é uma fase muito importante, uma tentativa de passagem de testemunho, com o objetivo de capacitar as autoridades locais responsáveis pela gestão e administração do sistema de saúde e de transferir gradualmente competências e responsabilidades, tanto a nível operacional como a nível clínico. Pretende-se também o reforço da aquisição e distribuição de consumíveis e medicamentos essenciais, como medicamentos para a malária, entre muitos outros”, explica Ana Reynolds.

O projeto, que será implementado em todas as regiões da Guiné-Bissau, é financiado pela União Europeia e implementado pelo IMVF, pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Projeto Saúde de Bandim (Universidade do Sul da Dinamarca), em parceria com o Ministério da Saúde Pública da Guiné-Bissau.

Um caminho longo a percorrer

O Projeto PIMI III sucede aos Projetos PIMI II (2015-2017) e ao PIM I (2013-2015), numa colaboração entre União Europeia, Instituto Camões, IMVF e UNICEF. Ana Reynolds participou nos três projetos, tendo ela própria levado internos de especialidade para colaborarem. Mas, apesar da evolução verificada, há passos neste caminho que ainda não foram dados.

“Construir uma estrutura demora muito, não é só ter salas. É ter saneamento básico e água potável, é ter oxigénio, é ter medicamentos, é ter esterilização, instrumentos cirúrgicos, é ter profissionais de saúde capacitados nas áreas de intervenção. Os resultados do PIMI foram tão positivos que houve esta continuidade até aos dias de hoje, mas ainda há muito para fazer”, avisa.

A redução da mortalidade materna é um grande desafio a nível global. Em 2012, a taxa de mortalidade materna na Guiné-Bissau rondava as 1000 mortes por cada 100 mil nascimentos. Os Objetivos do Desenvolvimento do Milénio definidos até 2015 propuseram uma redução da taxa de mortalidade materna em 75%. Apesar das melhorias, os números ficaram aquém. Posteriormente, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (2016-2030) fixaram como objetivo a redução para 70 mortes por cada 100 mil nados vivos e que nenhum país ultrapasse o dobro desse valor.

Sabe-se que, atualmente, 99% das mortes maternas ocorrem em países em desenvolvimento, das quais metade na África Subsariana.

“A redução da taxa de mortalidade materna continua a representar um enorme desafio”, refere Ana Reynolds, sendo que “devemos fazer um esforço para entender as causas e contribuir para inverter a situação”.