Investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e do i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde demonstraram que a incontinência urinária que surge após traumas e lesões da medula poderão resultar, pelo menos em parte, de alterações neuronais e moleculares que ocorrem longe da zona da lesão.

Além disso, propõem que a manipulação dos níveis da neurotrofina NGF poderá ser útil como ferramenta terapêutica para aliviar este tipo de disfunção na bexiga, que afeta de forma muito significativa a qualidade de vida destes doentes.

“A lesão da medula espinhal é um evento catastrófico, com consequências dramáticas resultantes da falta de regeneração neuronal. No local da lesão, sabe-se que o ambiente extracelular se torna altamente hostil, o que impede a reparação do tecido lesado. O nosso estudo, em modelo animal, veio demonstrar que um fenómeno semelhante ocorre em segmentos da medula que estão muito distantes do local da lesão”, explica Sílvia Chambel, estudante do Programa Doutoral em Neurociências da FMUP e primeira autora deste estudo.

Segundo a autora, que está a desenvolver a sua investigação no grupo «Translational NeuroUrology» do i3S, a ocorrência de alterações relevantes na neuroplasticidade no sistema nervoso central e periférico, longe da lesão traumática da medula espinhal, poderá explicar, pelo menos parcialmente, o surgimento de complicações nos doentes afetadas, como é o caso da disfunção urinária.

Publicado no International Journal of Molecular Sciences, este trabalho de investigação mostra que a disfunção urinária vai-se instalando em paralelo com alterações na expressão de moléculas envolvidas no desenvolvimento de circuito neurais e na resposta do sistema nervoso central a lesões traumáticas. Outro achado inédito deste trabalho consiste na demonstração da expressão periférica de recetores destas moléculas, que também varia ao longo da progressão da doença.

“Em conjunto, os nossos resultados mostram a importância de mecanismos moleculares que ocorrem longe da localização da lesão medular e que conduzem a fenómenos de neuroplasticidade mal-adaptativa, com consequências gravosas nas várias funções corporais, como é o caso da atividade da bexiga”, indica Sílvia Chambel.

Pistas para uma nova ferramenta terapêutica

Do mesmo modo, as conclusões deste estudo sustentam que a neurotrofina NGF, essencial para o crescimento e sobrevivência de neurónios em condições não patológicas, ocupa um papel crucial no aparecimento da disfunção urinária que acontece após o evento traumático.

De acordo com Sílvia Chambel, “a manipulação da neurotrofina NGF poderá vir a ser explorada como potencial ferramenta terapêutica para regular os fenómenos de neuroplasticidade e controlar a disfunção urinária induzida pela lesão”.

Este trabalho teve como autores vários investigadores da FMUP e do i3S, nomeadamente Sílvia Chambel, Ana Ferreira, Raquel Oliveira, Rafael Miranda, Carlos Reguenga e Célia Cruz, a que se juntou Martin Schwab, do Instituto de Medicina Regenerativa da Universidade de Zurique.