Esteve ao comando da Formula Student FEUP (FS FEUP) durante os dois últimos anos, praticou desporto de alta competição e é um profundo apaixonado por Engenharia – gosto que remonta aos seus tempos de infância. Natural de São Pedro do Sul (Viseu), Miguel Damião, de 22 anos, licenciou-se em Engenharia Mecânica na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e está a concluir o mestrado na mesma área. Muito próximo da data de lançamento do segundo protótipo da equipa, que acontecerá no dia 23 de maio, estivemos à conversa com o estudante para conhecer o seu percurso e o seu legado no grupo que liderou.
Uma paixão com “e” de engenharia
Falar do gosto por Engenharia é falar sobre motas e regressar à infância. Desde muito cedo, uma boa parte do seu tempo foi passado envolto na coleção de motociclos criada pelo seu pai, agora partilhada por ambos. “O meu pai começou essa coleção há muitos anos e eu desde sempre tive um contacto muito próximo com ela – principalmente no final do meu secundário, quando restauramos uma mota em conjunto. Já ando de mota há muitos anos e sempre tive um gosto especial por olhá-las, conhecê-las, ler livros sobre a engenharia, a história e a mística que algumas motas têm”, conta Miguel. Uma semente devidamente semeada, que mais tarde viria a dar frutos.
Concluiu o ensino secundário na Escola Secundária de São Pedro do Sul e, durante esse período, praticou atletismo – paixão que surgiu com a participação numa prova de corta-mato escolar. “Sempre fiz desporto, mas sem feitos especialmente relevantes, e dessa vez tive um bom resultado. Comecei a correr por interesse e, a certa altura, estava a ir aos campeonatos nacionais”, conta. Estava dado o primeiro passo para um percurso de sucesso.

Miguel Damião em Alcochete, em 2020.
Em 2019, sobe ao pódio e sagra-se campeão nacional de 1500 metros de pista coberta de juvenis (sub-18). “Na altura foi um feito e um orgulho muito grande – tanto meu, como das pessoas que me ajudavam. O atletismo ajudou-me a organizar tudo o resto, comecei a tirar melhores notas, permitiu-me melhorar enquanto pessoa e a minha capacidade de trabalho”, afirma. Passou por clubes como a Associação Cultural e Recreativa de Cambra, pelo Sporting e, mais tarde, pelo Maia Atlético Clube.

Miguel Damião com a mota BMW R69S, que restaurou com o seu pai.
Mas voltemos ao seu percurso académico. ”A certa altura, comecei a ler livros relacionados com tecnologias de combustão interna, vários tipos de motores – alguns utilizados na primeira e segunda guerras mundiais – e achava tudo muito interessante. Ficava fascinado com a capacidade de se fazer coisas tão complexas, principalmente porque muitas tecnologias que eu via, por serem motas clássicas, eram muito mais focadas na engenharia mecânica pura”, lembra. Em 2021, entra na FEUP para o início de uma longa jornada que viria a deixar uma grande marca na pessoa e no estudante.
FEUP e FS: o “admirável mundo novo”
A primeira vez que entrou na Faculdade de Engenharia foi já enquanto estudante do Superior, e a recordação é clara: “era uma faculdade mesmo muito grande”. “Aliás, as pessoas que cá vêm dizem sempre isso. As primeiras vezes em que cá entrava, tentava seguir sempre o mesmo caminho porque sabia que me poderia perder. A ideia inicial é desta enorme dimensão, de estar a entrar num lugar quase místico, onde iria aprender algo de que muito gostava”, lembra.
Enquanto estudante da FEUP, muitos foram os tópicos que o marcaram. No entanto, sem qualquer dúvida ou hesitação, assume que o ingresso e as experiências vividas na Formula Student FEUP foram o que mais o impactou. “Entrei na equipa em março de 2022. Este recrutamento captou a minha atenção porque já tinha visto este projeto dinamizado por outras equipas, e, de certa forma, já sabia em que é que consistia. Parecia-me exatamente aquilo que eu esperava da faculdade quando cá entrei: podermos acrescentar valor e fazer algo sobre engenharia, que seja fruto do nosso trabalho. Quando vi esta oportunidade, não a podia perder”, conta.
“Eu entrei na Formula Student no primeiro ano da equipa, em que estávamos todos a perceber como nos poderíamos estruturar, organizar, e definir o fluxo de trabalho. Sempre tive muita liberdade para trabalhar na área em que poderia contribuir mais e foi uma experiência muito enriquecedora. Um episódio que me marcou bastante foi quando fomos à competição italiana e vimos pela primeira vez, ao vivo, um carro de FS. Lembro-me de ver carros que eram topo de gama e de ficar impressionado com aquilo que os estudantes podem fazer”, recorda Miguel.
Desafios e aprendizagens na mesma esfera
O tempo foi passando, as experiências acumularam-se, e com ele novos desafios surgiram – nomeadamente o convite que viria a introduzir uma mudança no seu percurso. “Quando entrei na FS FEUP, queria muito aprender sobre engenharia, perceber como é que tudo era feito – neste caso, aplicado a um carro. Dentro da equipa fui evoluindo, estive ligado a alguns desenvolvimentos técnicos, até que surgiu a oportunidade e o convite para ser team leader. Sabia que ia ser o maior desafio da minha vida – e penso que está a ser”, diz de sorriso esboçado no rosto.
“Antes de ser team leader, penso que o principal desafio foi a própria construção do carro, quando eu e os meus colegas e amigos começámos a receber as peças manufaturadas e tínhamos de montar tudo, com a pressão das competições a aproximarem-se. Trabalhamos muitas horas por dia, durante muitos dias e semanas até termos o carro pronto. Foi verdadeiramente desafiante, porque já estávamos em maio/junho e ainda não tínhamos feito muito”, recorda.

Miguel Damião na competição de Formula Student no Reino Unido, em 2024.
“Estou na FS FEUP há três anos e parece que já vivi muitas vidas. Alguns dos momentos que mais me marcaram foi quando vimos o carro a andar pela primeira vez, em Inglaterra. Foi bastante emocionante, principalmente porque essa competição foi muito exigente e estivemos a passar as inspeções técnicas até ao último minuto. Por outro lado, quando se é team leader, os sucessos não se vivem com tanta emoção, porque estamos já a pensar sobre o próximo desafio e como podemos melhorar no que não esteve tão bem. Ainda assim, destaco as vitórias que obtivemos nas competições de concept class. No ano passado, vencemos duas competições internacionais e ficamos em segundo lugar noutro”, comenta.
Como team leader, Miguel Damião procurou desenvolver a equipa em diferentes vertentes, desde a sua organização até à sua missão e valores. “Foram muitas horas investidas a pensar nisto, refletindo no porquê de todos estarmos neste projeto e no facto de, apesar de cada um estar aqui por motivos ligeiramente diferentes, haver algo em comum a unir-nos. Com todos estes aspetos, quis elevar a fasquia da equipa não só nesta parte organizacional, mas também no rigor, na excelência, na qualidade global da equipa – creio que isso terá ficado espelhado neste segundo protótipo”, argumenta.
FS FEUP 02: a aposta no futuro
A FS FEUP está a desenvolver um segundo protótipo de condução autónoma – o FS FEUP 02 -, que será apresentado no próximo dia 23 de maio, no Auditório José Carlos Marques dos Santos. “A ideia de construir um carro autónomo surgiu com base numa oportunidade identificada nas competições. “Nós baseamo-nos na competição alemã para a definição dos nossos objetivos, porque, na nossa ótica, é a maior e melhor competição do mundo. Essa competição, desde 2017, tem apostado na vertente autónoma e cada vez mais há uma percentagem de pontos que é atribuída a carros só com este tipo de condução – atualmente, se não tivermos condução autónoma, só competimos para 850 dos 1000 pontos”, avança o estudante.
“Uma vez que a nossa visão a longo prazo é estarmos entre as 10 melhores equipas do mundo – e queremos utilizar isso como meio de validar que os nossos estudantes estão ao nível das 10 melhores universidades do mundo – para podermos atingir esse top, não fazer uma carro autónomo tornar-se-ia impossível”, complementa.

Miguel Damião, team leader da Formula Student FEUP.
Para o desenvolvimento deste carro, a FS FEUP estabeleceu colaboração com quase 100 empresas, que permitiram à equipa a manufatura do veículo e competir com ele em pista. “Fornecem-nos matéria prima, processos de manufatura, componentes, ferramentas e software. Para além disso, validam que as peças que a equipa desenha são passíveis de serem manufaturadas, permitindo-nos evoluir enquanto engenheiros. A equipa tem dezenas de processos de fabrico e centenas de peças a serem manufaturadas, muitas delas com processos em série, em que o processo seguinte depende da empresa anterior”, partilha o team leader.
E quais foram os principais desafios na construção deste novo projeto? “Os desafios surgem sempre quando há algo de novo relacionado com a incerteza, quando se começa algo e não se sabe claramente o que se vai fazer. Anteriormente, não se tinha trabalhado com tantos estudantes da área da Engenharia Informática, não sabíamos que hardware seria necessário para o carro, como deveríamos organizar as pessoas que iam estar a desenvolver este software. Portanto, toda a incerteza foi um bocado complexa no início, mas depois os desafios a nível mais prático estiveram relacionados com a parte da implementação mecânica e elétrica – desde o desenvolvimento dos sistemas de travagem, de direção, entre outros”.
Os próximos passos
Segundo Miguel Damião, “núcleos como a FS FEUP têm a possibilidade de dar aos estudantes a oportunidade de fazerem um trabalho prático e projetarem algo de início ao fim”. “O nosso carro resulta daquilo que achámos que fazia sentido e cumpria com os objetivos e requisitos definidos, não há nenhum livro-guia. Quem ingressa num grupo assim, poderá fazer parte de todas as etapas da construção do protótipo: desde a conceptualização, desenho, manufatura, montar e testar. Para além disto, o trabalho com muita gente e lidar com as pessoas, gerindo as suas expectativas, permite-nos evoluir muito”.
“O mais importante para mim é deixar a equipa melhor do que quando a recebi. Acredito que a equipa recorrerá a tudo o que se fez para dar saltos muito maiores, até porque há muita margem de progressão para nos aproximarmos do que é a nossa visão e daquilo que equipas que existem há vinte ou trinta anos fazem. Penso que, acima de tudo, é muito importante que a equipa nunca se esqueça de que o objetivo disto não é apenas fazer um carro com determinadas características, mas sim aprendermos e construirmos algo cada vez melhor para os estudantes”, conclui.