Fundou a FEUP Academic Solar Team (FAST) e lidera a equipa desde então. Ao leme desta missão, o mar, a engenharia e a música, têm sido constantes num percurso que inevitavelmente é contado com um brilho nos olhos e um entusiasmo incontido. Com o Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões como plano de fundo, João Alegre, estudante de Engenharia Mecânica na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), fala sobre o seu percurso, os principais desafios da equipa e ambições futuras, num momento em que se aproxima a apresentação pública do primeiro protótipo, a acontecer no dia 26 de junho.

Descobrir uma vocação através do mar

Estamos onde tudo começou: o Yate Clube do Porto, em Leça da Palmeira. Se “paixão” há pelos barcos e pelo mar, muito se deveu a este espaço, que o viu firmar os primeiros passos na exploração daquilo que mais tarde viria a definir-lhe a vocação. “Era aqui que passava os meus tempos livres, quando era miúdo, a fazer experiências com os barcos, a experimentar coisas novas e a lançar-me ao mar para navegar sem rumo definido”, partilha João Alegre. Um gosto e uma necessidade que se prolongaram no tempo – ou não continuasse este a ser um dos seus “escapes” de eleição.

Durante a infância competiu, federado, em competições de vela e dedicou-se à aprendizagem de instrumentos como baixo e bateria, na Escola de Música Valentim de Carvalho, no Porto. “Ainda hoje vou tocando, fazendo parte de algumas bandas e projetos musicais que sempre me deram muito prazer”, conta. Mais tarde, concluiu o ensino secundário na Escola Secundária Garcia de Orta, de onde trouxe “boas recordações”.

João Alegre no cais do Yate Clube do Porto, onde decorreu a conversa do artigo, testando um embarcação experimental em que fez as suas primeiras adaptações.

Ao velejar, à escola e às competições da modalidade – como se para formar o gosto não bastasse – somaram-se ainda as longas horas de exploração de revistas sobre náutica e engenharia naval, que pertenciam ao seu avô e ao seu pai – duas influências preponderantes no caminho pelo qual enveredou. E na história do estudante, falar de Engenharia é falar precisamente de tudo isto: de um gosto anterior à nominação de uma área ou de um curso a seguir, construído com “pedaços” de grandes momentos e pessoas que ajudaram à sua definição. 

Em 2018, ingressa na licenciatura em Engenharia Civil, vindo mais tarde a trocar pelo curso de Engenharia Mecânica, no sentido de se aproximar da área que mais captava a sua atenção. “Já tinha vindo à FEUP antes de lá entrar oficialmente como estudante e, nas primeiras vezes, fiquei fascinado com a dimensão de tudo o que vi. Pude visitar as oficinas e contactar com o que veio a ser a minha realidade, o meu dia-a-dia. E ainda bem que assim foi”, partilha. 

FAST: o salto para novas descobertas

A história da FEUP Academic Solar Team confunde-se, inevitavelmente, com a história de João Alegre. Com o calor a acompanhar a conversa, o desvendar das memórias vai surgindo de forma natural – quase ao ritmo das ondas do mar, sobre as quais navega um conjunto de pequenas embarcações. “Quando comecei na vela, era naqueles barcos que eu andava e fazia as minhas experiências”, diz o estudante, apontando-lhes com o indicador e esboçando um sorriso no rosto. Como se o passado, presente e futuro confluíssem no mesmo espaço, aquele espaço. 

No último ano da licenciatura, João estagiou na TAP, em Lisboa, onde conheceu a equipa de academic solar boat do Instituto Superior Técnico. “Quando ia trabalhar para o hangar, na parte dos compósitos, apercebi-me de que a equipa estava lá a desenvolver o seu protótipo. Uma vez que já conhecia e era fascinado por barcos, não tive dúvidas e fiz uma candidatura espontânea para a equipa”, recorda. 

João Alegre, fundador e team leader da FAST, no Yate Clube do Porto, onde deu os primeiros passos relacionados com o mar.

Estava dado o passo para uma experiência que viria a revelar-se marcante no último ano da licenciatura. “Eu queria mesmo entrar numa equipa destas. Era o que eu adorava – a Engenharia Naval – e eu só queria ter a oportunidade de trabalhar nesta área, desenvolver conhecimentos com quem tivesse o mesmo gosto e motivação para ir mais além nestes temas, como eu”, comenta. Esta experiência reforçou ainda mais uma questão com que se debatia antes desta vivência: “porque é que não temos uma equipa destas na FEUP?”.

“Entretanto, chegou uma altura em que fazia sentido passar de membro para um cargo com mais responsabilidade dentro da equipa. E como não acredito muito que este tipo de trabalho possa resultar online, optei por sair, com uma bagagem que reconheço ter-me enriquecido bastante e um conjunto de experiências que vou recordar sempre. Nesse ano, estive também em Erasmus em Twente, nos Países Baixos, onde pude ver os solar boats deles e desenvolver os meus conhecimentos com equipas internacionais. No final desse período, com a equipa do Técnico, participei no Monaco Energy Boat Challenge”, conta João. Estavam reunidas as condições para “dar o próximo passo”.

Em novembro de 2023, nasce a FEUP Academic Solar Team. “Reunimos um conjunto de estudantes de engenharia mecânica que na altura estavam muito motivados para ir mais além e queriam desenvolver conhecimentos nesta área. Alguns eram meus amigos do secundário, outros acabei por conhecer em conversas com o pessoal do curso. Contamos também com a ajuda da professora Carolina Furtado, que nos apoiou muito no início. Estávamos certos de que todos estes elementos sabiam bastante das áreas específicas de que precisávamos para arrancar com uma equipa”, lembra o estudante.

O resultado de um esforço coletivo

A FAST tem-se dedicado ao desenvolvimento de uma embarcação com um casco que, segundo João Alegre, “nunca foi feito na história dos solar boats”, na classe em que a equipa compete. Este protótipo é constituído por fibras 100% naturais e uma resina biológica. “Fizemos um barco diferente de todos os outros. Para além da componente natural e sustentável, acreditamos que esteja preparado para enfrentar condições exigentes – até mesmo para ir para mar aberto -, e utiliza uma tecnologia que nos vai permitir, em alguns dos pontos, triplicar a sua eficiência – o que é inacreditável. Estes foram os nossos objetivos desde o início, desde que o barco estava no papel, e conseguimos cumpri-los todos”, destaca.

FEUP Academic Solar Team.

Durante o processo que envolveu a criação da equipa, a conceção e a construção do protótipo, desafio e superação foram as palavras de ordem. “Por um lado, nós sabíamos muito pouco – como se constrói um barco no seu todo, as timelines, os contactos com empresas, os passos para a criação de uma associação, etc. Por outro, havia muito pouco apoio e informação sobre a criação de um projeto como este. Não há ninguém a guiar-nos, a indicar-nos um caminho, tem mesmo de ser a paixão a mover-nos”, aponta.

 Mas desafios não são impossibilidades, tal como se viu com o passar do tempo. “É verdade que tivemos constrangimentos dos mais variados tipos, todas as coisas que nós não sabíamos eram assustadoras e só a insistência, a persistência e o sonho é que moveram montanhas para atingirmos o que queríamos. E a amizade, porque se não estivéssemos tão à vontade com as pessoas que selecionamos desde o início, acredito que houvesse uma desmotivação geral perante tanta instabilidade”, partilha. 

João Alegre na cerimónia que o distinguiu com o Prémio Cidadania Ativa da Universidade do Porto.

Em março de 2025, João é distinguido com o Prémio Cidadania Ativa da Universidade do Porto, no “Âmbito da Defesa do Ambiente”, que premeia os estudantes que mais se destacaram em atividades extracurriculares de cidadania. “Acho que o prémio foi uma boa conclusão desta primeira fase da equipa, mais relacionada com a conceção e estruturação de tudo o que queríamos construir na prática”, avança.

“Esta distinção foi como um visto da Universidade do Porto que reforçou a ideia de que estamos no caminho certo, e de que o que estamos a produzir é valioso e tem significado – quase como se fosse a validação do nosso conceito de sustentabilidade, valorizando todo o esforço que imprimimos em tudo”, sublinha o estudante. Após ter recebido o prémio, João Alegre doou o valor total do mesmo à equipa, “de modo a dar continuidade ao desenvolvimento” que têm levado a cabo. 

A estreia do primeiro protótipo

Pensar o presente e perspetivar o futuro da equipa é impossível sem que as recordações passadas que remontam ao espaço em que nos encontramos assaltem a memória do team leader da FAST. “Naqueles verões maiores, nesta baía, era possível baixar a grua – às vezes sozinho, outras tantas com amigos – para testar na água os barcos que eu gostava de adaptar, em que fazia experiências – no fundo, um processo similar ao que vai acontecer com a equipa”, comenta. O passado e o futuro a cruzarem o tempo e o espaço.

“O nosso protótipo é a prova física de um sonho. Nunca tive um barco que resultou de uma ideia gerada na minha cabeça, passada para o papel e tornada realidade. Ver a junção de todas as pequenas partes numa embarcação vai ser fantástico, uma experiência que nunca tivemos na vida. E de facto é isto o que está a acontecer – ainda para mais tendo em conta que já nesta primeira iteração, nesta primeira aventura que foi a equipa, conseguimos efetivamente construir o que queríamos: um protótipo inovador e diferente por várias razões”, afirma o estudante da FEUP. 

João Alegre, fundador e team leader da FAST, no Yate Clube do Porto, em Leça da Palmeira.

“Creio que o sentimento de concretização é comum a todos. Estamos empolgados para poder mostrar o barco e acho que não somos só nós: também as nossas famílias têm sentido toda esta azáfama – são muitos os dias em que não vamos a casa, muitas vezes em que não estamos com os nossos amigos porque estamos a dedicar esse tempo de forma entusiasta à equipa. Sinto que ao mostrarmos o resultado final vai ser a maior e melhor recompensa que lhes poderemos dar”.

A cerimónia de estreia do barco é aberta a todos quantos queiram participar – internos e externos à FEUP -, e decorrerá no dia 26 de junho, no Auditório José Carlos Marques dos Santos. Vão marcar presença empresas, parceiros institucionais, familiares e amigos da equipa.

O vislumbrar de um futuro promissor

A curto prazo, a FAST competirá no Mónaco (Energy Boat Challenge), em Portugal e Itália, em provas que vão acontecer em agosto, setembro e outubro. “Estamos confiantes e expectantes com esta nossa primeira experiência em competição”, comenta João Alegre. Relativamente ao seu futuro enquanto team leader, os planos já estão traçados: “o meu percurso nesta função já está concluído, vou sair do cargo no final desta época competitiva”. 

“Sinto que o meu papel era o de ser esta pessoa ‘obcecada’ com a criação da FAST e pelo seu conceito. Penso que tanto a imagem da equipa como a metodologia de trabalho estão bem definidas, que o conceito está bem delineado e já há planos para o futuro. A equipa ficará muito bem entregue e estou certo de que formamos bem as pessoas que recrutamos. Por estas razões, não tenho dúvidas nenhumas de que o trabalho vai correr bem após a minha saída”, avança.

A nível pessoal, também os planos já estão traçados: “Eu gostava de continuar nesta área. Sei que estou na altura de experimentar coisas novas e se for para arriscar é agora. Mas esta é a parte da engenharia com que me identifico, onde estarei feliz. E onde quer que seja, sei que o mar será sempre uma constante”. 

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A FAST está presente no Instagram, Linkedin, e na página oficial da equipa.