Estreitar a ligação entre os estudantes e o tecido empresarial, criando sinergias para alcançar o sucesso. É com base nesta premissa que a FEUP Academic Solar Team (FAST) tem colaborado com a ELIO Kayaks na construção do seu primeiro protótipo. Numa visita à sede da empresa que atua na área da construção de kayaks, em Crestuma, estivemos reunidos com Élio Nogueira, fundador da empresa, e o grupo de estudantes da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) para saber mais sobre esta sua dinâmica de colaboração e compreender a reciprocidade do impacto gerado por esta parceria.
O início de uma colaboração
Abordar a origem da ELIO Kayaks implica recuar no tempo para lembrar a história do seu fundador, Élio Nogueira. Praticante federado de canoagem no Clube Náutico de Crestuma, onde chegou a assumir a direção, foi em Espanha que o engenheiro eletrotécnico de formação se cruzou com a ideia de criar uma empresa que de alguma forma pudesse estar relacionada com o seu desporto de eleição. “Em Zamora, conheci uns jovens que construíam barcos e, na altura, lembro-me de ter pensado que o processo não era tão difícil quanto imaginava. Convidei-os a virem a Portugal para nos darem uma formação e foi assim que tudo começou”, conta.
Um percurso que conta com mais de 40 anos. “Arranquei com a empresa numa altura em que não havia muita gente a trabalhar, e dei início à produção de barcos leves e resistentes”. Desde então, a empresa tem-se dedicado ao fabrico de kayaksde variados tipos e à venda de materiais de desporto. Recentemente, foi confrontado com um pedido que confessa não ter hesitado em atender: uma solicitação de colaboração da FAST.

Élio Nogueira, na sede da ELIO Kayaks, fundada pelo próprio.
“Estes estudantes têm uma vontade grande de construir algo. E isto é muito motivador, porque realmente querem pôr as mãos na massa, fazer e aprender mais. Quando a FAST me contactou, não pensei duas vezes em abrir-lhes as portas. Esta é uma forma de transmitir o conhecimento às gerações mais novas e tenho muito gosto em fazer para que assim seja”, afirma Élio Nogueira.
Segundo Diogo Leitão, estudante de Engenharia Mecânica que integra o Departamento de Sistemas Mecânicos da FAST, “o plano inicial sempre foi vir trabalhar presencialmente para as instalações da ELIO. O senhor Élio mostrou-se recetivo a receber-nos desde o início, a ocuparmos este espaço e a estar connosco. Desde então, estamos a trazer para aqui as nossas peças, o nosso trabalho, e a fabricar tudo cá”.
Enquanto a conversa decorre, um grupo de estudantes está em oficina, num espaço da ELIO isolado e dedicado à FAST, a compor o casco com fibra de linho e uma resina natural, características que distinguem esta embarcação pela componente de sustentabilidade que lhe está associada.

Estudantes da FEUP, membros da FAST, a comporem o casco do primeiro protótipo da equipa.
“Quando cá vim pela primeira vez, notei claramente a elevada qualidade do que aqui se construía, e apercebi-me logo de que a forma de operar se distinguia do modo mais automatizado das indústrias mais comuns”, afirma Miguel Guerrinha, estudante de Engenharia Informática e Computação e coordenador do Departamento de Sistemas Elétricos da FAST.
Esta perceção é também partilhada por Diogo Leitão. “No início parecia um sítio relativamente escondido, mas, quando entramos, ficamos surpreendidos com a qualidade dos caiaques. Estavam por todo o lado, a brilhar, e era claramente visível a componente artesanal de tudo o que está envolvido na construção destas embarcações. Ao assistir aos trabalhos, rapidamente se percebeu que aqui tudo é passado a ‘pente fino’, com um rigor e atenção ao detalhe que claramente contribuem para o resultado final”.
A engenharia na prática
A colaboração com a ELIO Kayaks permitiu aos estudantes da FEUP o contacto com um “outro modo de fazer engenharia” – numa perspetiva mais “mãos na massa”, como partilha Manuel Pimentel, estudante de Engenharia Mecânica e líder do Departamento de Sistemas Mecânicos da FAST. “Penso que, ao nível da academia, nem sempre ficamos com a perceção clara do trabalho implicado em contextos como este. Quando vim para aqui, não me sentia tão à vontade a nível de materiais, mas quando comecei a pôr a mão na massa, comecei a perceber, a gostar e a desenvolver mais os meus conhecimentos e o à vontade ao nível dos processos. No fundo, com estas interações, conseguimos complementar o nosso percurso académico com a experiência”, comenta.

Estudantes da FEUP, membros da FAST, a comporem o casco do primeiro protótipo da equipa.
Também o fundador da empresa reforça essa ideia: “Quando não se põe na prática o que sabemos, às vezes fica-se com uma ideia distanciada da realidade. Só quando se está no terreno é que nos apercebemos disso. Durante o tempo em que a FAST está aqui, é importante que experimentem o erro e reflitam sobre o porquê de este acontecer – é desta resiliência que se chega mais longe”.
“Estamos habituados a planear, conceber e desenhar, mas não estamos habituados a fazer. E, não tendo essa experiência, muitas vezes podemos cair no erro de desenhar coisas inalcançáveis, muito teóricas. Aqui, com uma oportunidade como esta, estamos a aprender o que é alcançável, o que é exequível e a perceber, de uma forma prática, maneiras de otimizar o que estamos a construir. Às vezes é preferível termos algo mais executável e replicável do que ter algo muito bem arquitetado teoricamente, mas que na prática não funciona”, complementa Diogo Leitão.
Um experiência com resultados
De acordo com Manuel Pimentel, o cumprimento dos timings previamente definidos tem sido um dos maiores desafios. “Nós começamos com a maquinagem e a produção das peças para depois fazermos o planeamento da montagem e dos restantes componentes. Se alguma destas etapas não corre como esperado, tudo o resto é atrasado por consequência e temos de ajustar a nossa timeline – o que muitas vezes pode tornar-se uma confusão”.
E aqui todo o esforço conta. “Chegámos à ELIO com alguns defeitos no nosso processo e a ajuda do senhor Élio foi importantíssima para corrigi-los, ajudar-nos a contornar os nossos problemas e a agilizar o processo. Inicialmente, estávamos a executar um processo mais industrial, geralmente utilizado em maior escala, mas que no nosso barco não se ajustava perfeitamente. E com a partilha de experiências conseguimos repensá-lo e abraçar formas diferentes de ‘pensar’ e fazer o casco – o que ajudou muito”, partilha Diogo Leitão.
Mas esta é apenas uma das vantagens desta colaboração. Na perspetiva dos estudantes, também as empresas beneficiam em colaborar com projetos multidisciplinares como o da FAST. “Primeiro, conseguem perceber melhor que conhecimento trazemos da faculdade, apurando, de certa forma, tanto a sua qualidade como a dos estudantes. Ao terem este contacto próximo connosco, beneficiam com tudo o que trazemos de novo da academia, como ferramentas, processos, entre outros. No fundo, na faculdade estamos a par do conhecimento teórico mais atualizado e às vezes as empresas não tiveram ainda recursos ou tempo para o adotar, e nós, que estamos a estudar e a fazer estágios na área, temos tempo para estudar isso e trazer essas inovações para as empresas”, continua Diogo.

Estudantes da FEUP, membros da FAST, a comporem o casco do primeiro protótipo da equipa.
“Por outro lado, as empresas também têm a oportunidade de nos ver trabalhar, na prática, e averiguar o nosso valor. Tudo isto acaba por ser muito mais rico quando comparado com uma simples entrevista de emprego, baseada maioritariamente numa conversa e sem a possibilidade de avaliar o nosso valor real”, atira Miguel Guerrinha. Ao que Diogo completa: “Para além disso, chegamos à empresa muito melhor preparados – evitando que as empresas tenham de investir o habitual esforço na alocação de recursos e tempo em todo o processo de adaptação dos novos colaboradores àquela realidade laboral”.
Uma colaboração com futuro
Quando se aborda os próximos passos deste trabalho conjunto, é Élio Nogueira que toma a palavra para fazer o remate final: “Terei muito gosto em poder continuar a apoiar a equipa, se assim entenderem”. “Quando se termina um curso de engenharia, fica-se com capacidade de resolver problemas e solucioná-los de uma forma rápida. E uma parte importante da aprendizagem é o tentar, errar, refletir e melhorar”, reflete o fundador da ELIO.
“Para mim, a maior mensagem que gostava que o FAST levasse da ELIO é a da importância de se estar no terreno, pôr as mãos à obra, e de estarem disponíveis para fazerem o que for necessário para resolverem os desafios que enfrentarem – não o fazerem apenas atrás dos computadores. Esta parte é importante para dar suporte a tudo o que tiver de ser feito, mas não substitui o ‘pôr as mãos na massa’. Se conseguir que levem esta mensagem, o meu papel está cumprido”, conclui.