Uma investigação liderada pela Universidade de Barcelona, e que integra o investigador Tiago Sotto Mayor, do Centro de Estudos de Fenómenos de Transporte (CEFT) da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), desenvolveu um conjunto de reatores que simulam o efeito das condições de microgravidade do espaço, para sintetizar em ambiente laboratorial, materiais cristalinos 2D de elevada qualidade. Os resultados foram considerados de tal forma relevantes, que valeram à equipa uma chamada de capa na prestigiada revista Advanced Materials.

Estudos de cristalização na Estação Espacial Internacional mostraram recentemente que a microgravidade sentida no espaço facilita a síntese de materiais cristalinos de elevada qualidade, com morfologias mais homogéneas, e sem defeitos na estrutura cristalina, o que é muito interessante para o desenvolvimento de novos materiais e/ou tecnologias. No entanto, não sendo financeiramente comportável equacionar-se a produção em massa de materiais cristalinos no espaço, é criticamente importante encontrar formas de o fazer, na terra.

O artigo agora publicado vem demonstrar que os reatores de microfluídica são uma alternativa muito interessante para a investigação e desenvolvimento de materiais cristalinos, em condições que simulam, na terra, o efeito da microgravidade sentida no espaço.

Os investigadores desenvolveram reatores de microfluídica que eliminam o efeito da convecção natural nos processos de reação e transporte de massa – em linha com o observado em ambientes de microgravidade – o que lhes permitiu controlar o crescimento das estruturas moleculares cristalinas de uma forma muito mais precisa do que o conseguido em reatores convencionais.

De acordo com Tiago Sotto Mayor, que integra o Laboratório Associado ALICE, “os reatores desenvolvidos permitiram obter efeitos sem precedentes na orientação, compactação e morfologia dos materiais cristalinos 2D sintetizados”.

Tiago Sotto Mayor é investigador do CEFT/FEUP (Foto: DR)

A equipa de investigadores projetou um reator de microfluídica que consiste em dois substratos separados por um filme de silicone com espessuras variáveis ​​(de 200 a 500 μm), para criar um ambiente microfluídico de 6 cm de comprimento e 1,5 cm de largura. O reator permitiu expor substratos de quartzo e ouro a soluções de reagentes e correntes gasosas de ar e amónia, para possibilitar o crescimento de uma estrutura metalorgânica 2D de composição Ni3(HITP)2, sem defeitos na estrutura cristalina e com condutividades elétricas até 40 S·cm–1, condutividades nunca antes atingidas sem recurso a atmosferas inertes ou de alta pressão.

“Enquanto a mesma reação realizada em condições laboratoriais padrão leva à precipitação de alguns componentes e crescimento irregular, o reator de microfluídica desenvolvido permite controlar o transporte de reagentes e a reação de forma muito precisa”, explica João Vale, estudante de doutoramento do CEFT/FEUP.

Os resultados confirmaram a previsão dos autores, obtida através de simulação numérica dos processos de transporte, de que o ambiente criado dentro dos reatores reproduz o que foi observado nos estudos de cristalização na Estação Espacial Internacional, como efeito das condições de microgravidade.

O estudo foi coordenado por Puigmartí-Luis, professor da Universidade de Barcelona), e pelos investigadores Tiago Sotto Mayor (CEFT/FEUP), Daniel Ruiz-Molina (ICN2), e Raphael Pfattner (Instituto de Ciência dos Materiais de Barcelona /ICMAB-CSIC). A investigação que envolveu igualmente cientistas da ALBA Synchrotron, ETH Zurich, da Universidade de Newcastle (Austrália) e da Universidade “Sapienza” de Roma (Itália).