Foi há quase quatro décadas, em 1988, que Sofia Castro Gothen iniciou a sua jornada na FEP, a instituição onde dedicou a sua carreira e hoje expressa “um profundo sentimento de gratidão e de realização”.

Lembra os primeiros passos na docência, quando foi contratada como Monitora de Estatística na licenciatura em Biologia na FCUP. Esta experiência inicial revelou uma paixão inesperada pelo ensino, que se tornou uma constante na sua trajetória profissional.

Após completar a licenciatura em Matemática Aplicada na FCUP, Sofia Castro Gothen recusou uma oferta de emprego na EDP para seguir a sua verdadeira vocação na FEP. Em 1988, iniciou o seu percurso como Assistente Estagiária, e desde então, tem contribuído significativamente para a instituição, tanto no ensino como na investigação.

A investigação levou-a ao Reino Unido, onde obteve um mestrado e um doutoramento na Universidade de Warwick. Lá, deparou-se com os desafios das mulheres na matemática, uma realidade que, na época, ainda era marcante. Era uma de apenas duas alunas de mestrado, num departamento em que o total de alunas de pós-graduação ficava abaixo de 10%, não havendo nenhuma professora no topo da carreira à data.

Ao regressar à FEP, Sofia Castro Gothen integrou-se na área dos Sistemas Dinâmicos, uma escolha que lhe permitiu explorar diversas vertentes da matemática aplicadas à economia. A sua dedicação ao ensino e à formação de jovens talentos é reconhecida, tendo recebido, juntamente com Paulo Vasconcelos, o Prémio de Excelência Pedagógica da Universidade do Porto em 2015.

Atualmente, Sofia Castro Gothen é Presidente da Delegação Regional do Norte da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM-Norte) e membro da Comissão Permanente (Standing Committee) da European Women in Mathematics. No seu trabalho, destaca-se o compromisso com a igualdade de género, um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que a FEP também promove. O empenho de Sofia Castro Gothen em apoiar e empoderar mulheres na matemática reflete estes valores, contribuindo para uma comunidade académica mais inclusiva e equitativa.

Data de entrada na FEP: 20 de outubro de 1988, como assistente estagiária do então Grupo de Matemática (Grupo I).

Como descreveria a sua ligação à Faculdade?
Como todas as ligações próximas e de longo prazo, esta é difícil de descrever ou caracterizar. A FEP tem-me permitido ter uma vida na qual faço o que gosto durante grande parte do tempo que cá passo. Isso cria uma gratidão de fundo e vontade de vir trabalhar.

Quais os momentos mais marcantes ou gratificantes até à data da sua carreira na FEP?
Penso que os momentos marcantes coincidiram com os gratificantes.
Começando pela gestão académica, algo que no início não pensei achar muito interessante, é incontornável ter sido vice-presidente do Conselho Científico (CC) quando o saudoso António Almodôvar era presidente. Fizemos juntos vários mandatos que trabalharam a redução das licenciaturas no contexto de Bolonha, primeiro para quatro e depois para três anos. O CC funcionava em plenário para estes assuntos e as reuniões prolongaram-se por várias semanas. Tentámos, e penso que de certa forma conseguimos, tornar a investigação científica uma parte importante e integrante da carreira docente.
Com o António Almodôvar aprendi muito do que sei sobre gestão académica e que usei enquanto presidente do Conselho Pedagógico (CP), num mandato que englobou os anos da pandemia. Tive a sorte e o privilégio de contar o Vitor Carvalho como vice-presidente e com vários colegas e estudantes no CP de uma dedicação ímpar. Os anos da pandemia foram, penso, um período de aprendizagem (dolorosa, como toda a aprendizagem, e satisfatória, quando se concretiza) e dão-nos a certeza de conseguirmos fazer muito mais do que à partida pensamos viável.
No final dos anos 90, o Grupo de Matemática e Informática abriu-se muito à FEP através dos Seminários de Matemática e Informática (que lancei em conjunto com a Paula Brito). Os docentes do grupo apresentavam de forma compreensível o seu trabalho aos restantes colegas da FEP. Algumas colaborações entre diferentes grupos científicos resultam daí.
No que respeita ao ensino e investigação (para mim indissociáveis) houve dois momentos marcantes: um quando o Álvaro Aguiar me propôs que construíssemos uma UC intitulada Elementos de Economia Dinâmica (problemas económicos estudados por via dos sistemas dinâmicos); outro quando o António Brandão, tendo assistido à minha apresentação nos Seminários de Matemática e Informática, me propôs tentar resolver um problema de oligopólio. Elementos de Economia Dinâmica serviu de base para a UC Economia Matemática do Programa de Doutoramento em Economia, também construída com o Álvaro Aguiar, que leciono até hoje, entretanto também com outros colegas. O meu interesse por problemas económicos que podem beneficiar de uma forma de pensar matemática continua a refletir-se em muitas horas de trabalho e de satisfação, com vários colegas tanto da FEP como de outras instituições.
Momentos gratificantes mais quotidianos acontecem quando ensino, quando há um estudante que quer aprender. E não tem que ser um estudante que sabe muito. Uma das turmas mais interessantes que tive foi em regime noturno, aulas às 22h, composta por trabalhadores-estudantes. O cansaço era visível e claramente ninguém tinha feito revisão da matéria antes da aula. Mas a vontade de aprender era muita e a minha satisfação enorme. Há momentos em que vemos o sobrolho de um estudante relaxar ou uma cara abrir-se ao compreender um conceito ou uma resolução. Esses são os pequenos grandes momentos.
Perceber a articulação da investigação com o ensino foi, e é, muito interessante. O momento de trabalho em que estou mais próxima dos estudantes acontece quando me confronto com um problema de investigação que parece impossível de abordar. É uma sensação muito semelhante à que sente um estudante face a um exercício que não sabe resolver. A investigação deu-me meios para abordar problemas complexos que podem ser usados pelos estudantes. Claro que todas as abordagens de sucesso requerem esforço e perseverança.

Como descreveria a sua experiência como presidente da Delegação Regional do Norte da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM-Norte)?
A minha candidatura aconteceu na sequência de um trabalho que fiz com a Margarida Mendes Lopes (https://revistas.rcaap.pt/boletimspm/article/view/26849), motivado por um debate em 2016 organizado pela Catarina Lucas, então coordenadora de Portugal na EWM, e a Luísa Castro Guedes. Ao preparar-me para esse debate observei que, sendo as mulheres cerca de 50% dos matemáticos na carreira docente universitária em Portugal, muito poucas (menos de 25% em números atuais) atinge a posição de professor catedrático; também não aparecem na proporção de 50% como oradoras convidadas em conferências organizadas pela SPM, nem no corpo editorial da revista editada pela SPM, a Portugaliae Mathematica. Depois de alguns anos a pensar nisto e sabendo que o anterior presidente da SPM-Norte não pretendia continuar no cargo, formei uma equipa de quatro pessoas (duas mulheres e dois homens) com quem tenho trabalhado nestes últimos dois anos. Não sendo eu uma revolucionária, a experiência tem sido de insistência: na atenção à representatividade e diversidade, no alargamento de ações relevantes da SPM-Norte de proximidade com a sociedade e na tentativa de servir a comunidade matemática, tanto no Ensino Básico e Secundário como no Ensino Superior.

Quais foram até hoje os maiores desafios e conquistas como presidente da SPM-Norte?
Esta direção tomou posse em 2022 e a primeira preocupação foi a de recuperar ações de antes da pandemia. Foi assim que retomamos as Tarde de Matemática (TdM). Alargamo-las para fora dos grandes centros urbanos. Para além das TdM do Porto, agora acolhidas pela Casa Comum da Reitoria (a próxima é já no Sábado, dia 15 de junho), tem havido TdM’s no Teatro de Vila Real, no Centro Cultural de Macedo de Cavaleiros, no Auditório da Junta de Freguesia de Pedrouços. São eventos que, sem tentar convencer ninguém a gostar de matemática, explicam como a matemática aparece na nossa vida. Explicam também como compreender um pouco a matemática, mesmo detestando-a, pode ajudar a perceber o mundo.
Graças à generosidade de vários colegas da região Norte, conseguimos construir um catálogo de palestras em oferta, algumas direcionadas para escolas. Este ano houve escolas em Mirandela e Bragança a celebrar o Dia Internacional da Matemática com palestras deste catálogo.

Qual é para si o significado de ser membro da Comissão Permanente (Standing Committee) da European Women in Mathematics?
Dado que se tratou de um convite seguido de uma eleição, é algo que me deixa muito orgulhosa. Ao longo da minha carreira, por distração minha talvez, não senti muitos dos problemas reportados por mulheres matemáticas internacionalmente. Esta diferença de experiência permite-me ajudar outras mulheres. Esta ajuda consiste muito em dar visibilidade a assuntos que, de forma estatisticamente relevante, afetam mais as mulheres matemáticas do que os homens matemáticos. As estatísticas relativas ao efeito da pandemia na investigação de mulheres e homens são reveladoras de uma grande diferença. É importante estarmos cientes dela quando tomamos decisões.
A Comissão Permanente divide-se em grupos mais pequenos e eu fiquei associada à divulgação de informação. O trabalho que faço ajuda a criar uma comunidade e oportunidades para mulheres matemáticas.

Quais são os principais objetivos da European Women in Mathematics e como contribui para a sua missão?
A EWM existe desde 1986 e encoraja mulheres a estudar matemática (não é ainda um problema em Portugal mas é-o na Europa), apoia as suas carreiras científicas (começa a ser um problema português, sobretudo quando a precariedade dura tantos anos) através de uma rede de trabalho, cooperação e comunicação científica, e dá-lhes visibilidade. A EWM apoia reuniões de trabalho, participação em encontros científicos com uma particularidade muito útil: existem bolsas para acompanhantes (“caring grants”) que permitem pagar a um acompanhante para que mulheres com bebés possam deslocar-se mais facilmente. Organiza também eventos relativos a promoção e carreira, assim como uma escola de Verão e um encontro científico de dois em dois anos.
Eu sou responsável por uma mensagem de correio eletrónico que é enviada a cada dois meses, o EWM Flash. O Flash divulga eventos, lembra prazos, celebra prémios recebidos por mulheres. O Flash aborda também, a cada número, um tema de um ponto de vista de inquietação, mais do que apresentação de resultados. Destina-se a fazer as pessoas pensar sobre um determinado assunto e, portanto, deixa vários pontos de vista, mais perguntas que respostas. Tratamos assuntos como: se faz diferença o avaliado ser mulher ou homem nas respostas aos inquéritos pedagógicos (surpreendente que seja assunto, não?), o mito da falta de jeito das mulheres para matemática (muito enraizado em alguns países), as Olimpíadas de Matemática para Raparigas e o seu efeito na participação de raparigas na matemática, ou o número de mulheres como conferencistas convidadas em conferências de grande reconhecimento. Escrever sobre isto não resolve o problema mas fazer as pessoas pensar e falar sobre estes assuntos, isso sim, faz diferença. É importante lembrar que tudo o que requer mudanças culturais tem que se ir fazendo, não fica pronto no nosso tempo.

O que podemos esperar da próxima edição da WM^2 em 2025, que será realizada no Porto?
Estas conferências juntam mulheres matemáticas portuguesas, a trabalhar em Portugal ou não, e também alguns homens. As palestras são dadas por mulheres, mas os homens podem participar, e têm-no feito. Acontecem em anos ímpares e começaram na Universidade Nova de Lisboa, na sequência do debate em 2016 que me levou à presidência da SPM-Norte.
Podemos, como sempre, esperar excelente matemática explicada de forma acessível para quem tem formação inicial em matemática. É um encontro científico, não para o público em geral, que junta matemáticas a trabalhar em áreas muito distintas. Por isso, e porque tem havido um grande encorajamento para a participação de estudantes, todas a palestrantes são convidadas a apresentar uma palestra compreensível, que mostre o interesse do que fazem, como o assunto se relaciona com outros, qual a motivação. Se por acaso a apresentação fica mais opaca, eu e a Margarida Mendes Lopes que temos estado na Comissão Científica destes encontros revezamo-nos a fazer, durante as apresentações, aquelas perguntas que uma estudante acha que não pode/deve fazer. É uma tradição da EWM ter alguém sénior na audiência que faz perguntas que matemáticas mais jovens não fazem.
As apresentações incluem uma breve nota pessoal da palestrante dando a conhecer a multiplicidade de percursos de sucesso que é possível construir. Esta nota serve também para humanizar a matemática, para clarificar que a matemática é parte de uma vida rica e diversa.

Qual é o impacto esperado desta conferência na comunidade académica e no público em geral?
Estas conferências mostram que a matemática produzida por mulheres é tão interessante e tem tanta qualidade como a que é feita por homens. Ninguém contesta a afirmação anterior, mas na altura de escolher palestrantes convidados a comunidade científica continua a escolher (muito) mais homens do que mulheres.
Servem também para mostrar a jovens matemáticas que é possível ser-se mulher e matemática. Em Portugal, quando a contratação era feita a recém-licenciadas, a opção por uma carreira académica oferecia estabilidade; agora são precisos vários anos de posições precárias antes de um contrato que se possa tornar definitivo. Há vantagens e desvantagens nos dois métodos de contratação, mas o método atual é também o da Europa onde as mulheres matemáticas não chegam aos 30%. É também por isso que a situação em Portugal me preocupa.
Para minha grande surpresa, o ambiente das conferências de mulheres matemáticas é diferente do das restantes. Os padrões de exigência científica são tão altos como os de qualquer conferência, mas a interação decorre de forma muito cordial e encorajadora. É evidente que quem pergunta o faz para esclarecer, não para competir ou exibir conhecimento. Nota-se muita vontade de ajudar a melhorar a apresentação ou o próprio trabalho, com ideias e sugestões, em conversas que se prolongam durante os vários dias da conferência. Isto é determinante quando muitas das apresentações autopropostas são de jovens matemáticas, tratando-se para algumas da primeira apresentação pública do seu trabalho. Penso que nenhuma saiu de um WM^2 desencorajada, muito pelo contrário!