Foi há quase cinco décadas, em 1975, que Carlos Brito pisou pela primeira vez o chão da FEP, a casa onde trabalhou mais de 40 anos e hoje exprime “o sentimento de orgulho e de pertença”.
Relembra os seus anos como estudante, ainda marcados pela revolução do 25 de abril e um clima forte de esquerda. Muitos dos seus professores eram estrangeiros, refugiados do Chile e do Brasil, e o ambiente sentido era revolucionário. “Lembro-me, por exemplo, de nos passos perdidos da faculdade se afixarem cartazes escritos à mão onde se podia ler: Estes são os professores que vão agora ser contratados. Se tiveres alguma coisa contra a sua contratação, escreve aqui”, conta-nos Carlos Brito.
Não foi desde cedo que o protagonista sonhou com a sua carreira atual. Aliás, filho de pais professores, sempre foi incentivado a seguir outra direção. Contudo, quando terminou a Licenciatura em Economia, em 1980, foi convidado para assistente estagiário e, mesmo não sabendo, começou aí a sua carreira. Após fazer um MBA na Nova SBE, Carlos Brito decidiu tirar um doutoramento na Lancaster University, no Reino Unido, onde se apercebeu que a sua carreira se centraria na universidade.
Já enquanto docente, orgulha-se de ser pioneiro na área do marketing na FEP, cujo mestrado nesta área, inicialmente em grande parte concebido por Carlos Brito, é atualmente classificado como o melhor em Portugal (de acordo com a última edição do QS Business Masters Ranking).
Aplicou a sua área de paixão, o marketing, em todos os projetos que acompanhou ao longo da carreira e admite que o marketing o ajudou no sucesso que obteve enquanto Pró-Reitor da Universidade do Porto para a área da Inovação e Empreendedorismo, entre 2011 e 2018. “A verdade é que quando terminei o mandato, em 2018, a Universidade do Porto era a instituição de ensino superior portuguesa com melhor performance naquela área”, destaca.
Homem dos sete ofícios é como se pode descrever Carlos Brito. Atualmente é Presidente da Associação Portuguesa de Management, Presidente do Observatório do Vinho do Porto, integra o Conselho Estratégico do Turismo do Porto e Norte de Portugal, sendo ainda membro de diversos conselhos consultivos, nomeadamente da COTEC Portugal, APCER, Sigma e Essência Completa. É Cavaleiro da Confraria do Vinho do Porto, confrade da Confraria do Vinho Verde, bem como da Confraria Queirosiana, Irmão da Santa Casa da Misericórdia do Porto e companheiro do Rotary Club Porto-Foz.
Para além de tudo isto, é autor ou coautor de sete livros de gestão, merecendo destaque “Estrutura e Dinâmica do Setor do Vinho do Porto” (1997), “Marketing Internacional” (1999), “Os Horizontes do Marketing” (2000), “Comércio Eletrónico” (2000), “Parcerias no Negócio Eletrónico” (2006) e “Novos Horizontes do Marketing” (2014); e enquanto investigador publicou dezenas de papers em revistas científicas e proceedings de conferências.
Apesar de uma vida preenchida de mérito e de cargos conceituados, Carlos Brito admite que um pedaço que levará da FEP para o resto da sua vida é a vontade de continuar a construir futuros e impactar positivamente a vida das pessoas. Esse acredita ter sido o seu maior impacto na comunidade académica, ao longo de quase cinco décadas de carreira, e aquele que se tem repercutido na vida das pessoas. “São muitas as que encontro ao fim de 10, 20, 30 anos e me dizem que trabalham hoje no marketing por minha causa. Sinceramente, acho que ajudei a construir muitas carreiras e, dessa forma, muitas vidas”.
Fecha o capítulo da FEP na sua vida, mas não por completo, uma vez que “embora tenha também estudado noutras universidades, a verdade é que a essência da minha formação e carreira está centrada na nossa universidade e, em particular, na Faculdade de Economia”. Por isso, promete continuar a promover iniciativas e projetos nos quais a comunidade FEPiana esteja presente e deixa como desafio aos seus colegas, estudantes e colaboradores da FEP: “sejam diferentes… porque ser mais um é estar a mais.”
Data de entrada na FEP como estudante: novembro 1975
Data de entrada na FEP como docente: 31 outubro 1980
Data da aposentação: 1 março 2024
O que sentiu quando entrou na FEP pela primeira vez?
Entrei na FEP em novembro de 1975 – na altura o ano letivo começava muito tarde. O edifício da faculdade tinha sido inaugurado no ano anterior, o ambiente universitário era bem diferente do secundário e o clima que se vivia era muito de esquerda. A FEP ainda não tinha estabilizado na sequência da revolução de abril de 1974. Havia muitos professores estrangeiros, designadamente do Chile e do Brasil, que estavam cá refugiados. As próprias matérias tinham um forte pendor marxista. O ambiente era revolucionário. Lembro-me, por exemplo, de nos passos perdidos da faculdade se afixarem cartazes escritos à mão onde se podia ler: “Estes são os professores que vão agora ser contratados. Se tiveres alguma coisa contra a sua contratação, escreve aqui”. Para um jovem de 18 anos tudo isto era fascinante – tanto pelo lado positivo como pelo negativo.
Como descreveria a sua ligação à Faculdade, primeiro como estudante, e mais tarde como docente?
Numa perspetiva de marketing, posso afirmar que a minha relação com a marca FEP tem uma componente funcional e outra emocional. Funcionalmente é a “casa” onde tirei a licenciatura e onde trabalhei durante mais de 40 anos. A FEP tem muito prestígio junto do mercado de trabalho e da sociedade em geral dada a qualidade do seu ensino e o impacto que tem enquanto motor de desenvolvimento económico e social. Duma forma sucinta, posso dizer que deste ponto de vista a FEP é para mim uma marca de confiança. Mas não só, pois há também toda uma ligação afetiva que não posso deixar de salientar: são os momentos únicos e memoráveis, alguns já aqui referidos, é a rede de amizades que fui construindo, enfim, é o sentimento de orgulho e de pertença.
Sempre quis ser professor universitário? Se não, qual foi o momento em que isso mudou?
A verdade é que não tinha a mínima intenção de ser professor. Os meus pais eram professores e sempre me incentivaram a escolher outra profissão pois, diziam eles, os professores ganhavam mal – o que era verdade na altura e não é menos verdade atualmente. Acontece que quando terminei o curso fui convidado para assistente estagiário. Aceitei mas nunca me passou pela cabeça que essa viria a ser a minha carreira. Aquilo que eu queria era desenvolver a atividade de economista nas empresas. Mesmo quando fui fazer o MBA para a Universidade Nova de Lisboa (a atual Nova SBE), o propósito era ganhar competências de gestão para trabalhar nas organizações. Tudo isso mudou mais tarde, concretamente em 1990, quando decidi ir fazer o doutoramento na Lancaster University no Reino Unido. Aí sim, assumi definitivamente que a minha carreira estaria centrada na universidade.
Tendo lecionado em diferentes instituições, no seu entender, de que forma a FEP se distingue das outras faculdades?
É verdade que tive ligação a outras instituições do ensino superior. Durante largos anos dei aulas na Universidade Católica, no Porto, e também tive o privilégio de em Portugal lecionar pontualmente na Universidade Nova de Lisboa, no ISCTE, na Católica de Lisboa e na Universidade do Minho. Não vou dizer se a FEP é melhor ou pior do que essas instituições – além de ser deselegante, a verdade é que a pergunta que me coloca não é essa. A questão é sobre o que é que torna a FEP distintiva. Na minha opinião – que se baseia numa experiência de quase meio século, não em algo pontual ou de curto prazo – o grande fator distintivo da FEP é a capacidade de trabalho e de resiliência que desenvolve nos estudantes. Isto para além da grande ligação ao tecido empresarial, algo que era uma imagem de marca da faculdade quando aqui iniciei a minha carreira, embora se tenha perdido um pouco ao longo dos anos. Em qualquer dos casos, os empregadores continuam a valorizar muito os graduados pela FEP pois sabem que são pessoas que trazem uma excelente base de conhecimentos e competências a par de uma enorme capacidade de trabalho. Em suma, as empresas sabem que aqui encontram talento.
Quais os momentos mais marcantes ou gratificantes da sua carreira na FEP?
Como assinalei anteriormente, os primeiros anos como aluno da FEP foram muito impactantes. Nem tudo foi fácil, dada a confusão reinante, mas foi uma época fascinante. Curiosamente, também os primeiros anos como docente foram marcantes, mas aí claramente por boas razões. Quando em 1980 fui contratado como assistente estagiário, a primeira disciplina que lecionei foi a de Gestão de Empresas, regida pelo Prof. Manuel Duarte Baganha. O que acontecia é que os docentes dessa disciplina (que na altura contava também com o Jorge Armindo), bem como os das disciplinas de Contabilidade regidas pelo Prof. José Rodrigues de Jesus, constituíam uma verdadeira tertúlia onde se discutiam e aprofundavam os tópicos dessas áreas e onde aprendíamos muito com aqueles dois professores que víamos como nossos Mestres. Mas não só, pois organizavam-se jantares e almoços muito regulares com um espírito de companheirismo genuíno que, infelizmente, nunca mais voltei a encontrar com essa intensidade, franqueza e abertura de espírito.
Quais os projetos ou iniciativas de que mais se orgulha?
Quando em 1982/83 fiz o MBA na Universidade Nova de Lisboa tive a oportunidade de contactar pela primeira vez com o marketing pois esta era uma área totalmente ausente dos curricula da FEP. Na Nova tive várias disciplinas de marketing e estratégia, cabendo aqui uma referência muito especial ao Prof. John O’Shaughnessy, que vinha da Columbia University em Nova Iorque. Um professor fantástico que me marcou muito como docente. Quando terminei o MBA, a direção da FEP convidou-me para ser regente de Análise de Mercados, uma disciplina do 4º ano da licenciatura em Economia. Considerei o convite uma honra e, claro, disse que aceitava… mas com uma condição: não dar análise de mercados, mas marketing. Na altura a resposta que obtive foi simples: “Não podemos alterar o nome da disciplina, mas se quiser dar marketing esteja à vontade para o fazer”. E foi assim que, há mais de 40 anos, se deu pela primeira vez marketing na FEP. É por isso que uma das coisas de que mais me orgulho é de ter sido o pioneiro desta área que hoje conta com um corpo docente fantástico que é, sem dúvida, um fator distintivo da faculdade. Basta dizer que o nosso Mestrado em Marketing (que, na sua versão inicial, foi em larga medida concebido por mim) surge classificado como o melhor nesta área em Portugal de acordo com a última edição do QS Business Masters Ranking.
E na Reitoria da Universidade do Porto?
Fui Pró-Reitor da Universidade do Porto entre 2011 e 2018. O meu pelouro era o da Inovação e Empreendedorismo. E sem deixar de reconhecer o mérito de quem me antecedeu no cargo nem tão-pouco de todos os que no ecossistema da universidade trabalham nesse domínio, a verdade é que quando terminei o mandato em 2018 a Universidade do Porto era a instituição de ensino superior portuguesa com melhor performance naquela área. Foi um período fantástico, pois tive a oportunidade e o privilégio de aplicar o marketing a 100%. Por uma razão simples: inovar significa criar valor com base em novas soluções. Ora, a criação de valor faz-se no mercado, o que significa que sem um bom marketing a inovação ficará sempre aquém do desejável, por muito boa que a investigação e as invenções sejam.
Como descreveria o impacto que tem na comunidade académica e nos seus estudantes?
Mais do que os cargos de gestão que exerci, mais do que os cursos que ajudei a criar, mais do que as aulas que dei, mais do que os estudantes que orientei, mais do que os papers e os livros que escrevi, enfim, mais do que tudo isso, creio que o impacto mais importante é aquele que se tem repercutido na vida das pessoas. E, de facto, são muitas as que encontro ao fim de 10, 20, 30 anos e me dizem que trabalham hoje no marketing por minha causa. Sinceramente, acho que ajudei a construir muitas carreiras e, dessa forma, muitas vidas.
Que pedaço da FEP levará consigo para o resto da sua vida?
Na mensagem que escrevi a todos os colegas da FEP quando me aposentei dizia que mantenho a vontade de continuar a construir futuros. Esse é o pedaço da FEP que levo comigo – não apenas as boas recordações do passado, mas principalmente a vontade de continuar a fazer coisas com impacto na vida das pessoas. Coisas que criem valor pessoal, social, cultural e também económico, naturalmente. Essa postura de olhar mais para o futuro do que para o passado é algo que foi moldado ao longo da minha vida na universidade.
Quais são os seus planos para o futuro? Pretende manter-se ligado à FEP e à sua comunidade académica?
A Universidade do Porto é a minha Alma Mater. Embora tenha também estudado noutras universidades, a verdade é que a essência da minha formação e carreira está centrada na nossa universidade e, em particular, na Faculdade de Economia. Por isso, continuo a promover iniciativas e projetos nos quais a comunidade fepiana marca presença.
Conselhos ou reflexões que gostaria de deixar aos colegas, estudantes e colaboradores da FEP.
Dar conselhos é uma forma de nostalgia – é uma tentativa de reciclar o passado e tentar “vendê-lo” por um preço superior àquilo que vale. Por isso, não vou dar nenhum conselho, mas deixo um desafio: seja diferente… porque ser mais um é estar a mais.