Elisa Ferreira, antiga Comissária Europeia para a Coesão e Reformas e figura de destaque na política e economia europeias, regressou à FEP como docente. Com uma carreira marcada por funções de elevada responsabilidade, como Ministra do Planeamento e do Ambiente, deputada no Parlamento Europeu e Vice-Governadora do Banco de Portugal, traz consigo um vasto conhecimento e uma perspetiva única sobre os desafios nacionais e internacionais.
Nesta entrevista, Elisa Ferreira reflete sobre os momentos mais marcantes da sua carreira e partilha a visão que desenvolveu ao longo de décadas de serviço público. Um regresso à docência que promete enriquecer a comunidade académica da FEP.
O que a inspira a regressar à docência na FEP?
Regressar a um espaço de reflexão e partilha com colegas e alunos é, para mim, um processo que me surge como necessário e muito aliciante depois de tantas experiências profissionais que pude materializar a nível nacional e europeu. Tenho também a expectativa de que este regresso possa ter traduções de alguma utilidade para alunos e jovens investigadores.
Quais os momentos mais marcantes da sua carreira, especialmente nas funções de deputada à Assembleia da República, Ministra do Planeamento e do Ambiente, vice-presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte e na Comissão Europeia?
É francamente difícil selecionar momentos marcantes, mas tentarei sublinhar alguns… Desde logo, e porque sinto grande satisfação quando processos negociais ou empreendimentos complexos terminam e os objetivos são atingidos, distingo situações mais evidentes como as de fechar as comportas do Alqueva, abastecer de água potável a Área Metropolitana do Porto, resolver um problema de acessibilidades na Bulgária ou financiar uma escola na Roménia. Depois, e num plano de menor visibilidade imediata (sem prejuízo de serem até eventualmente mais relevantes), ilustraria com a negociação da Convenção de Albufeira, princípios introduzidos na revisão do Pacto de Estabilidade, partes da legislação que lançou a União Bancária, negociações determinantes em Frankfurt durante a crise bancária ou a alteração dos regulamentos dos Fundos Europeus por forma a que a economia europeia melhor suportasse a pandemia do COVID… Por fim, uma referência especial ao trabalho de equipa (a OID do Vale do Ave) que permitiu a transição da grande crise têxtil no Vale do Ave em finais da década de 80, o que constituiu também uma enorme experiência (inclusivamente no plano metodológico).
Como é que a sua experiência no Parlamento Europeu contribuiu para a sua visão sobre a economia europeia e global?
O Parlamento Europeu é uma instituição importante e extremamente exigente para quem assuma plenamente a responsabilidade inerente ao cargo. Será óbvio o enriquecimento pessoal e intelectual decorrente do confronto de ideias, conceções e leituras do mundo e da Europa que aquele espaço proporciona. Menos óbvio será o facto de que o Parlamento Europeu é também uma escola de humildade, um lugar em que a influência decorre de um conjunto multifacetado de aspetos (como a qualidade do trabalho técnico realizado, a credibilidade das propostas e a capacidade negocial de cada deputado). Lamentavelmente, a intensidade deste trabalho nem sempre é percetível por parte dos cidadãos em geral…
Quais as suas principais contribuições para a construção de uma União Europeia mais sólida e sustentável durante o seu tempo na Comissão Europeia?
Não me parece fazer sentido avaliar “as minhas” contribuições, tendo eu trabalhado essencialmente no quadro de uma política como a Política de Coesão da União Europeia. De facto, esta política é estrutural na União Europeia – diz-se que ela “é a cola que mantém a Europa unida” – mas tem requisitos especiais para produzir resultados positivos: assentar em diagnósticos e estratégias de desenvolvimento à escala adequada, ou seja, que partam dos territórios e sejam técnica e politicamente competentes, mas ser também suficientemente flexível para reagir a impactos, opções de política e tendências que se fazem sentir, por vezes de forma violenta e assimétrica, nas diversas regiões da Europa. Ao visitar todos os países da União e cerca de 100 regiões (sobretudo as mais problemáticas), confirmei e assimilei o quão essencial e estratégica é esta política. Esta consciência suscitou alterações legislativas e de instrumentos de política capazes de permitirem abordar, nomeadamente, o impacto dramático das alterações climáticas, o envelhecimento acelerado de alguns territórios, o chamado “brain-drain”, a adaptação à agenda verde e digital, a sobrevivência à pandemia, o acolhimento dos refugiados ucranianos, a atração de indústrias de futuro por parte dos territórios menos prósperos, entre vários outros tópicos marcantes, sempre subordinados à dominância de um foco no objetivo central de promoção de um desenvolvimento equilibrado em todos os territórios da União.
Como vê a FEP no contexto atual da formação de economistas e gestores e qual o papel que a Faculdade pode desempenhar na preparação das futuras gerações?
A FEP afirma-se hoje, claramente, como uma grande escola de Economia e Gestão. A busca permanente da excelência, aferida quer no contexto nacional quer internacional, é um vetor que importa manter e se possível reforçar. Um outro aspeto que convém não desvalorizar é a necessidade de equilibrar a excelência estritamente académica com os “inputs” provenientes da realidade concreta e da experiência prática, relação esta que esteve particularmente presente, com vantagens diferenciadoras, na afirmação inicial da Escola.
Que conselho daria aos jovens estudantes da FEP que estão a iniciar a sua formação académica e que pretendem seguir uma carreira pública ou política?
Não tenho por hábito dar conselhos, cada pessoa tem as suas potencialidades e objetivos; na minha vida profissional, guio-me por uma preocupação e um objetivo de serviço público que, em alguns casos, assumiu a forma de um cargo “político” e noutros não. Sublinharia, sobretudo, que a qualidade da análise técnica e das propostas é sempre determinante para a qualidade das prestações e das políticas. Por último, apontaria para a noção de que, se a Faculdade nos ajuda a criar quadros de leitura e nos fornece ferramentas de análise decisivas, a evolução da realidade nos obriga a, como diz a canção, “ficar sempre estudante”…