A 4.ª edição do Prémio Maria de Sousa distinguiu dois projetos em ciências da saúde de investigadoras do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), Ana Rita Araújo e Joana Gaifem, licenciadas em Bioquímica e Biologia pela FCUP, respetivamente. As alumnae da FCUP conquistaram um prémio, no valor de cerca de 30 mil euros que inclui também um estágio num centro internacional de excelência da área de cada um dos projetos galardoados.
Promovido pela Ordem dos Médicos e pela Fundação BIAL, este prémio presta homenagem à imunologista Maria de Sousa, professora e investigadora da U.Porto que faleceu em 2020 e tem como objetivo distinguir e apoiar jovens investigadores portugueses, com idade igual ou inferior a 35 anos, em projetos na área das ciências da saúde .
As distinções são entregues esta quarta-feira a cinco investigadores portugueses, numa cerimónia que terá lugar na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa e será encerrada pelo Primeiro-ministro, Luís Montenegro. Segue-se uma Conferência “Sobre a Fisiologia da Mente 2024”, preparada pelos neurocientistas António Damásio e Hanna Damásio e apresentada pelo primeiro, realizada no âmbito da celebração dos 30 anos da Fundação BIAL.
Conhecer o envelhecimento a nível molecular e celular
Intitulado “BOOST-Age: Reforçar a capacidade proliferativa dos tecidos envelhecidos para manter o bom funcionamento dos órgãos”, o projeto de Ana Rita Araújo, investigadora no grupo «Ageing and Aneuploidy», pretende perceber se as células que proliferam durante mais tempo ao longo da nossa vida têm um papel protetor na manutenção da função dos diferentes tecidos e ajudam à desaceleração do envelhecimento.
Para isso, a investigadora vai usar modelos in vitro, mais especificamente células de indivíduos com diferentes idades, e modelos in vivo, ou seja, ratinhos de diferentes idades. Vão ainda ser usados “super-ratinhos” que têm uma molécula que os investigadores já sabem que prolonga a longevidade destes animais porque promove a divisão celular controlada e regulada.
Até ao momento, explica Ana Rita Araújo, «conhece-se muito pouco sobre a regulação (ou falta dela) da divisão celular durante o processo de envelhecimento. Sabe-se que ao longo da nossa vida as células começam a dividir-se cada vez mais lentamente até ao ponto em que param e entram em processo de senescência. Esta fase está intimamente ligada ao desenvolvimento de um processo inflamatório exacerbado que influencia a longevidade dos indivíduos e o aparecimento de doenças ligadas ao envelhecimento, como doenças cardiovasculares, neurodegenerativas e inflamatórias». É, por isso, importante perceber em que consiste o envelhecimento a nível molecular e celular.
Recentemente, acrescenta a investigadora do i3S, descobriu-se que «existe um mecanismo de regulação do ciclo celular que é responsável pela manutenção da capacidade proliferativa das células e com o meu projeto quero investigar se a sustentação deste mecanismo in vivo em tecidos mais proliferativos como o intestino e o baço os mantém “jovens” durante mais tempo em contraste com tecidos menos proliferativos como o cérebro ou o coração».
O objetivo, resume Ana Rita Araújo, é perceber se a melhoria da proliferação das células envelhecidas é essencial para preservação da função dos tecidos e órgãos, contribuindo assim para a extensão do tempo de vida saudável». Parte deste trabalho será desenvolvido no ERIBA/UMCG – European Research Institute for the Biology of Ageing, nos Países Baixos.
Novas estratégias de prevenção da doença inflamatória intestinal
O projeto de Joana Gaifem tem como título “Alimentar a imunidade: glicanos como agentes nutricionais na dinâmica hospedeiro-microbioma na DII” e como principal objetivo contribuir para o desenvolvimento de novas estratégias de prevenção da doença inflamatória intestinal (DII).
Esta doença, que inclui a doença de Crohn e a colite ulcerosa, é diagnosticada sobretudo em jovens adultos e não apresenta, de momento, um tratamento que seja eficaz para todos os doentes. É também uma doença multifactorial, pelo que é ainda mais difícil prever quem vai desenvolver a doença, e como prevenir ou tratar a mesma. Joana Gaifem vai estudar amostras de doentes com DII e de indivíduos saudáveis assim como modelos experimentais de ratinho para compreender a dinâmica entre a microbiota intestinal e o hospedeiro, com os glicanos como elemento-chave nesta interação. O trabalho será realizado no i3S e no Institute of Microbiology and Infection, University of Birmingham, Reino Unido.
Com este projeto de investigação, explica a investigadora do grupo «Immunology, Cancer & GlycoMedicine», liderado por Salomé Pinho, «pretende-se explorar se o perfil de glicanos (açúcares) presentes na mucosa intestinal do hospedeiro é capaz de definir a composição da microbiota intestinal, e de que forma é que esta interação pode ditar um intestino saudável ou um ambiente inflamatório (doença). O objetivo primordial será contribuir para o desenvolvimento de novas terapias, abrindo caminho para estratégias preventivas para a DII».
Os restantes distinguidos com o Prémio Maria de Sousa são: Maria Arez, do Instituto de Bioengenharia e Biociências do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa; Pedro Nascimento Alves, do Centro de Estudos Egas Moniz da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e Samuel Gonçalves, do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS) da Escola de Medicina da Universidade do Minho. Os trabalhos vencedores foram escolhidos por um Júri presidido pelo neurocientista Rui Costa, presidente e diretor executivo do Allen Institute, nos Estados Unidos.
Sobre as premiadas
Natural de Sabrosa, Vila Real, Ana Rita Araújo é Investigadora no i3S e Interna de Formação Geral no Centro Hospitalar Universitário São João. Licenciada e mestre em Bioquímica pela Universidade do Porto, foi nesta universidade que iniciou o seu doutoramento no programa GABBA, fundado pela Professora Maria de Sousa, embora tenha desenvolvido a sua tese no Imperial College London. Mais recentemente concluiu o curso de Medicina no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS).
Durante o seu doutoramento, Ana Rita Araújo descobriu o mundo da divisão celular, a microscopia em tempo real e o controlo do ciclo celular através de mecanismos de feedback. Este trabalho, que revelou que a duração da mitose (processo de divisão celular) deve ser curta e independente do tempo que a célula passa nas restantes fases do ciclo celular para garantir a viabilidade celular, foi publicado na prestigiada revista «Molecular Cell».
Concluído o doutoramento, a investigadora iniciou o seu pós-doutoramento no The Francis Crick Institute, em Londres, e regressou depois a Portugal onde se juntou ao grupo “Ageing and Aneuploidy” no i3S, liderado por Elsa Logarinho. O seu principal foco de estudo é perceber como é que o ciclo celular é regulado/desregulado com o envelhecimento. Isto pode levar as células “idosas” a cometerem erros e a entrarem em processos de morte celular, levando a uma destabilização dos tecidos e aparecimento de doenças degenerativas. Este trabalho será brevemente publicado e já recebeu várias distinções como o seu CEEC, dois projetos da FCT e uma EMBO Scientific Exchange Grant.
Joana Gaifem, por sua vez, é natural do Porto e licenciou-se em Biologia na Faculdade de Ciências da U.Porto (FCUP), tendo feito o mestrado na mesma instituição. Iniciou a sua carreira científica como bolseira no IBMC, que agora integra o i3S, num projeto que estudava cianobactérias marinhas e o seu metabolismo secundário. Prosseguiu como bolseira num projeto na área de infeção com Mycobacterium tuberculosis (no IBMC e ICVS, em Braga) e foi depois selecionada para o Programa Interuniversitário de Doutoramento em Envelhecimento e Doenças Crónicas.
O seu projeto de doutoramento foi desenvolvido no grupo do investigador Ricardo Silvestre (ICVS, Universidade do Minho, Braga), onde investigou a microbiota intestinal e os metabolitos associados à proteção contra o desenvolvimento da doença inflamatória intestinal (DII). Este projeto, cujo trabalho foi publicado nas revistas Frontiers in Physiology e mBio, permitiu-lhe obter uma bolsa de investigação da EMBO para desenvolver parte da sua investigação na Universidade de Jena, na Alemanha. Após o doutoramento, em 2019, ingressou o grupo da investigadora Salomé Pinho, no i3S, onde investiga o papel dos glicanos no contexto da DII.
Já no i3S obteve um contrato CEEC no concurso nacional da FCT, assim como financiamento internacional por parte da ESCMID e ECCO para desenvolver a sua investigação. Recentemente, o grupo de investigação no qual está inserida descobriu uma assinatura de glicanos, presentes nos anticorpos ASCA de doentes com Doença de Crohn, que permite prever, anos antes do diagnóstico, o aparecimento da doença. Além disso, estes anticorpos com glicanos alterados parecem ter um papel no início do processo inflamatório. Este estudo foi publicado recentemente na revista Nature Immunology.
Sobre a Fundação BIAL
Criada em 1994 pela BIAL, em conjunto com o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, com a missão de incentivar o estudo científico do ser humano, tanto do ponto de vista físico como espiritual, a Fundação Bial é uma instituição sem fins lucrativos e de utilidade pública e conta com o Alto Patrocínio do Presidente da República.
Entre as suas atividades destaca-se a atribuição de Prémios científicos no âmbito da investigação em ciências da saúde, nomeadamente o Prémio BIAL de Medicina Clínica, o BIAL Award in Biomedicine, um dos maiores prémios europeus na área da saúde, e o Prémio Maria de Sousa, em parceria com a Ordem dos Médicos.
A Fundação BIAL promove igualmente um programa de Apoio a Projetos de Investigação Científica, orientado para o estudo neurofisiológico e mental do ser humano, nas áreas da Psicofisiologia e da Parapsicologia. Desde 1996, a Fundação organiza, de dois em dois anos, os Simpósios “Aquém e Além do Cérebro”.