Eulália Pereira, 56 anos, sempre foi curiosa e, essa curiosidade, levou-a a entrar na FCUP, no início dos anos 80, para estudar Química. Apaixonou-se depois pela docência e pela nanotecnologia. Hoje, estuda a ciência das coisas pequenas e trabalha com nanopartículas de ouro que, ao contrário do que possamos pensar, não são amarelas, mas sim vermelhas, e podem ser úteis, por exemplo, na deteção de doenças. No seu dia-a-dia, divide o seu tempo entre a investigação no Laboratório Associado para a Química Verde – Requimte e os estudantes, quer seja com aulas, orientação ou enquanto Vice-Presidente do Conselho Pedagógico da FCUP.

Departamento

Química e Bioquímica

Há quanto tempo trabalha na FCUP?

Fiz o meu percurso todo aqui. Entrei com 18 anos para fazer o curso, de quatro anos, e fui contratada ainda como monitora quando estava no 4º ano, que foi em 1985. Fui contratada como assistente estagiária e fiz depois o meu percurso profissional. 

Comecei a trabalhar na área da química inorgânica, que trabalha com metais e compostos metálicos e, depois do meu doutoramento, fui para a área da nanotecnologia.

Como é o seu dia-a-dia na FCUP?

Muito ativo e muito preenchido. Leciono várias unidades curriculares de mestrado e de licenciatura na área da nanotecnologia e nanoquímica. Depois também dou aulas de Escrita Científica, Química Inorgânica e Química II que é do primeiro ano das licenciaturas em Química e Bioquímica e que tem muitos estudantes. Além disso, estou a orientar vários estudantes de licenciatura e de mestrado. Nos últimos tempos, por força da pandemia, o diálogo com eles e a orientação que dou passa por muitas reuniões de Zoom.

No âmbito do meu trabalho de investigação, na área da nanotecnologia, estou a orientar uma estudante, do novo Mestrado em Aplicações em Biotecnologia e Biologia Sintética, no estudo da interação das nanopartículas de ouro modificadas em laboratório e como é que elas interagem com os meios biológicos. Estas nanopartículas têm uma propriedade muito interessante e podem ser utilizadas em testes rápidos para deteção de doenças: mudam de cor quando agregam e esta diferença é muito fácil de avaliar a olho nu. Estamos a estudar como ocorre este processo de agregação e como é que ele varia quando mudamos a concentração de sal, o pH, etc.

Estou ainda a terminar um artigo sobre um outro trabalho de investigação que pretende utilizar as nanopartículas de ouro em forma de estrela para aplicações em imunossensores com o objetivo de detetar o parasita da malária. A longo prazo, tenho também um projeto, em colaboração com a Faculdade de Farmácia da U.Porto, para o estudo das propriedades toxicológicas das nanopartículas de ouro.

Faço ainda parte do Conselho Pedagógico que é, da gestão universitária, uma das coisas que mais gosto me dá e que me agrada mais, porque é muito importante para mim estar próxima dos estudantes e perceber o ponto de vista deles. 

Quais são os maiores desafios no seu trabalho?

Nesta altura é organizar o tempo. Aliás, acho que é um desafio para qualquer pessoa. É algo crítico e crucial. Tenho, pelas minhas características pessoais, tendência a perder-me um bocadinho, principalmente quando estou dedicada à ciência. O tempo passa e eu não noto. O meu marido queixa-se disso e muitas vezes ele já está com a mesa posta e com o jantar à espera e ainda nem vi que ele tinha ido para a cozinha, tão fascinada que estou com o que estou a ler. Tenho tendência a ficar obcecada e a ficar dentro do meu pequeno mundo e o meu principal problema é sempre esse.

Faço as coisas com tanta satisfação que não há muitos desafios. Os problemas são os mais ligados à ciência. A incerteza das pessoas que trabalham connosco e os contratos precários é algo que me perturba muito. 

O que gosta mais na nossa faculdade?

Dos recursos humanos. As pessoas são muito interessantes. A maior parte dos meus colegas são “geeks”, adoram ciência, têm uma capacidade crítica e de análise muito própria e isso são características cada vez mais raras e que eu acho fascinantes. O potencial humano que temos na FCUP, com cientistas de áreas muito diferentes, é fabuloso. 

O que a inspira no seu dia-a-dia?

A curiosidade. Eu fui para a área da ciência porque achei que era a única maneira de a saciar. O que me inspira é algo tão simples como olhar para uma formiga ou observar o que me rodeia. A observação desperta sempre a minha curiosidade e vai desencadear o meu processo criativo em ciências. 

Uma mensagem para a comunidade FCUP:

Acho que a comunidade FCUP tem um futuro brilhante à sua frente. O nosso espírito crítico e de análise que nos caracteriza torna-nos às vezes menos otimistas, mas a minha mensagem é que olhem para o futuro com esperança. A ciência é o que vai salvar este país, este planeta e a nossa contribuição é crítica e é muito importante. Tenham essa consciência do impacto que podemos ter. 

 

 

Entrevista originalmente publicada na página da FCUP a 9 de junho de 2021.