A alumna da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), Mariana Ramos Oliveira, realizou um estudo, no âmbito da sua tese de doutoramento em Ciência de Dados da Saúde, na Faculdade de Medicina da U.Porto, que aponta para a existência de uma distribuição espacial das doenças neurodegenerativas em Portugal e para a importância de fatores ambientais, sobretudo poluentes atmosféricos, nessa distribuição.
O trabalho, que contou com a coorientação da docente da FCUP, Ana Claudia Teodoro, traçou um mapa que cruza as concentrações de poluentes com a incidência e a geografia das doenças neurodegenerativas, como a demência (incluindo Alzheimer), a doença de Parkinson e a esclerose múltipla, caracterizadas por um declínio progressivo da função cerebral.
“A idade, o sexo, a hipertensão, a diabetes, lesões, tumores, hábitos tabágicos e consumo de álcool são os fatores de risco mais comuns de doenças neurodegenerativas. No entanto, a influência dos fatores ambientais é pouco conhecida”, afirma Mariana Ramos Oliveira, que é licenciada em Ciências e Tecnologia do Ambiente e fez o mestrado em Engenharia Geográfica.
“Neste trabalho que desenvolveu no seu PhD e que terminou este ano, usou várias técnicas/ferramentas da área da Engenharia Geoespacial, com bastante ênfase nos dados de Observação da Terra e técnicas de análise espacial. Este é mais um exemplo da importância das temáticas que abordamos na área da Engenharia Geoespacial têm em diferentes áreas de aplicação, como neste caso, na saúde (em específico neste trabalho nas doenças neurodegenerativas)”, destaca a docente da FCUP, que foi também orientadora de Mariana no mestrado em Engenharia Geográfica.
A colaboração de Mariana Ramos Oliveira com a FMUP começou, precisamente, no âmbito do mestrado em Engenharia Geográfica na FCUP, no qual relacionou variáveis ambientais obtidas com dados de EO com os partos pré-termo.
Os autores do estudo, coordenado por Hernâni Gonçalves, da FMUP, sublinham que cada vez mais estudos consideram que os níveis excessivos de poluentes ambientais, que afetam mais de 90% da população mundial, estarão a ter impacto no desenvolvimento de doenças neurodegenerativas. Esta relação pode explicar-se pelos efeitos dos poluentes no sistema nervoso central, provocando inflamação, toxicidade, stress oxidativo e lesões.

Foto da defesa da tese de doutoramento de Mariana Oliveira, que contou com a orientação da docente da FCUP, Ana Cláudia Teodoro (à esquerda).
Estudo inédito em Portugal
Embora estes efeitos estejam descritos, há ainda poucos estudos que cruzem os níveis destes poluentes a nível geográfico e ao longo do tempo com dados de saúde, como os internamentos.
Em Portugal, os resultados da investigação da FMUP, que visa colmatar essa lacuna, apontam para “correlações significativas” entre as hospitalizações de pessoas com doenças neurodegenerativas e “praticamente todas as variáveis ambientais, sobretudo com o dióxido de azoto (NO2) e as partículas com diâmetro menor de 10 µm (PM10)”. A principal fonte destes poluentes é a queima de combustíveis fósseis, como a gasolina e o gasóleo.
Os dados ambientais foram obtidos a partir de imagens de satélite usando o Google Earth Engine e de estações meteorológicas disponíveis através das plataformas QualAr, IPMA e MITECO. Esta informação foi cruzada com dados de internamento de pessoas com patologias neurodegenerativas em hospitais públicos portugueses.
Estes resultados estão em linha com as duas revisões sistemáticas de literatura que a mesma equipa realizou, com estudos a nível mundial publicados entre 2000 e 2023, nas quais encontrara já uma relação significativa entre as doenças neurodegenerativas e os níveis de dióxido de azoto (NO2), de óxido de nitrogénio (NOX) e de partículas finas, como o PM2.5, medidos sobretudo na área de residência dos doentes.
As conclusões desta investigação sugerem que “correlacionar a geografia das hospitalizações e os níveis de poluentes poderá ajudar, no futuro, a planear intervenções e políticas de saúde pública”. O objetivo é consciencializar a população para o papel do ambiente e ajudar as autoridades e os profissionais de saúde a preverem onde estão os doentes com maior risco de virem a desenvolver estas doenças.
A par de Mariana Ramos Oliveira e Hernâni Gonçalves, da FMUP, e de Ana Cláudia Teodoro, da FCUP, participou nesta investigação também Alberto Freitas, da FMUP, sendo que o trabalho desenvolvido já deu origem a vários artigos científicos publicados em revistas internacionais.