O estudante do Programa Doutoral em Biodiversidade, Genética e Evolução da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), João Soutinho, coordenou, ao longo de oito anos, um projeto de ciência cidadã, cujo resultado, agora divulgado, é um mapa com a distribuição da vaca-loura em Portugal, um escaravelho com um importante papel no solo e nos ecossistemas. Este trabalho tem especial importância na conservação deste inseto, que é o maior da Europa.
“A informação que recolhemos – 7782 observações de escaravelhos – graças ao apoio de milhares de cidadãos, permitiu identificar as zonas do território nacional com elevado potencial da ocorrência das quatro espécies de lucanídeos (família taxonómica da vaca-loura) que existem no país, e pode contribuir para a melhoria da monitorização e conservação”, conta o estudante.
João Soutinho, licenciado em Biologia pela FCUP, começou o projeto VACALOURA.PT antes de iniciar o doutoramento na FCUP em conjunto com o CIBIO-InBIO, e acabou, mais tarde, por integrar a ciência cidadã na sua investigação.
Os resultados deste projeto foram recentemente divulgados na revista Biodiversity and Conservation.
De acordo com o artigo publicado, a vaca-loura, que se alimenta de madeira morta, encontra-se sobretudo em áreas florestais nativas em territórios com clima temperado, como o encontrado no Norte de Portugal. No entanto, verificou-se que estas espécies têm maior preferência por florestas com reduzida densidade arbórea e ricas em árvores de grande porte.

João Soutinho frequenta o 4º ano do Programa Doutoral em Biodiversidade, Genética e Evolução, da FCUP e do CIBIO-InBIO. Foto: DR
Um escaravelho como bioindicador
Assim sendo, realça o jovem estudante de 29 anos, “esta espécie pode ser usada como indicador da presença de árvores e florestas antigas, cada vez mais raras em Portugal e que são ecossistemas com elevada “qualidade” ecológica, continuidade temporal e elevada resiliência”. Explica também que “estes ecossistemas são normalmente ricos em biodiversidade, podendo fornecer uma ampla variedade de serviços de ecossistema, ou seja, os benefícios ambientais usufruídos pelos humanos)”.
Com este mapa de distribuição da vaca-loura, é possível agora identificar zonas com potencial para ações ativas de conservação da natureza que possam ajudar a alcançar metas estabelecidas, por exemplo, no âmbito da recém aprovada Lei do Restauro da Natureza.
Esta lei refere, precisamente, a importância de manter a madeira morta e árvores antigas nas florestas europeias, onde cerca de 70% das espécies que vivem nestes locais necessitam deste habitat para sobreviver.
João Soutinho, que frequenta o 4º ano do doutoramento, está particularmente interessado, na sua tese, em estudar árvores de grande porte, que funcionam como habitat para este escaravelho e também para outros organismos. O objetivo é compreender melhor como é possível valorizar, mapear e proteger estas árvores a longo prazo em Portugal.
Tendo em conta as recentes alterações na lei dos solos, conhecer a distribuição geográfica desta espécie também pode ser uma boa ferramenta para os municípios. “Qualquer município pode assim pesar também princípios e valores ambientais antes de facilitar a urbanização de solos rústicos, usando os dados da presença desta espécie (entre outras de elevado valor ecológico) como indicadores de habitats de elevado interesse para a conservação da biodiversidade”, explica o estudante e investigador do CIBIO-InBIO.
Como surgiu o VACALOURA.PT
O interesse por estes escaravelhos surgiu ainda durante a licenciatura em Biologia, na qual frequentou um estágio na Mata do Buçaco, com uma equipa da Universidade de Aveiro. “No final da licenciatura tive a oportunidade de participar numa conferência em Bruxelas sobre estes organismos e conheci uma rede europeia de cientistas focados na vaca-loura, dos quais ainda não havia um parceiro português, e voluntariei-me para tal”, conta.
O artigo agora publicado com os resultados deste projeto de Ciência Cidadã conta ainda com a contribuição de vários investigadores portugueses, entre eles, José Manuel Grosso-Silva, alumnus da FCUP e curador de Entomologia do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto (MHNC-UP), Sónia Ferreira e João Gonçalves, do CIBIO-InBIO.
Sobre a vaca-loura
A vaca-loura (Lucanus cervus), espécie protegida e classificada como Quase ameaçada pela UICN – União Internacional para a Conservação da Natureza, depende de árvores antigas, principalmente espécies de folha caduca como o carvalho-alvarinho ou o castanheiro.
Os machos têm pinças para lutar entre si na presença de fêmeas. Normalmente encontram-se nos ramos altos das árvores e o macho vencedor é aquele que no final da luta não cair da árvore. Podem ser predados por aves devido ao seu elevado valor nutritivo.
Tem um ciclo de vida de 3-4 anos, em que apenas os 2-3 meses finais são passados como o escaravelho adulto que conhecemos e tem um papel vital na degradação da madeira morta nos solos florestais, principalmente no seu estado larvar. As suas larvas são encontradas principalmente em raízes mortas de árvores antigas de folha caduca, como os carvalhos-galegos (Quercus orocantabrica), mas também se podem alimentar de troncos caídos no solo.