As estudantes do doutoramento em Biodiversidade, Genética e Evolução da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), Cristiana Marques e Rita Afonso, integram uma equipa internacional de cientistas que acaba de publicar, na prestigiada revista Science, um estudo que revela, pela primeira vez, como um único gene permite aos papagaios controlarem a sua grande diversidade de cores.

Os papagaios são criados como animais de companhia em milhões de lares pelo mundo inteiro, apreciados pela sua cor e inteligência. Mas, apesar desta visibilidade, os cientistas desconheciam ainda como esta grande palete de cores era criada. “Isto é um grande mistério tanto para cientistas como para amantes de aves e representa uma questão central na biologia, nomeadamente, como é que a diversidade surge na natureza?”, refere Miguel Carneiro, investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO) da Universidade do Porto, coordenador do estudo e orientador das estudantes.

Para responder a esta questão fundamental, os cientistas demonstraram primeiro que, em diferentes espécies de papagaios, as cores amarela e vermelha eram sempre geradas por dois tipos de pigmentos únicos entre as aves. A seguir, focaram-se numa espécie na qual indivíduos amarelos e vermelhos coexistem na natureza, algo que é muito raro.

Pena de papagaio. Foto: Rita Afonso

Embora muitas aves tenham penas amarelas e vermelhas, os papagaios fazem-no recorrendo a pigmentos únicos, chamados psitacofulvinas (do grego antigo “psittakós” para papagaio, e do latim “fulvus” para amarelo-avermelhado). Estas aves combinam estes e outros pigmentos para criar cores brilhantes como amarelos, vermelhos e verdes, tornando-os dos animais mais coloridos na natureza.

Estudando o Lóris-sombrio, uma espécie de papagaio da Indonésia, conseguimos identificar o gene responsável por converter amarelo em vermelho.

Para chegar a estas conclusões, os investigadores estudaram a genética do lóri-sombrio, uma espécie de papagaio nativa das florestas da Papua-Nova Guiné, contando com a ajuda de criadores destas aves certificados em Portugal. 

Uma só enzima por detrás de um mundo de cores

Os cientistas descobriram que uma proteína apenas é responsável pelas diferenças de cor nos lóri-sombrios, um tipo de aldeído desidrogenase (ALDH), “ferramentas” essenciais para a desintoxicação em organismos complexos – por exemplo, contribuem para eliminar o álcool do fígado em humanos. Soraia Barbosa, investigadora do BIOPOLIS-CIBIO, que está também na liderança do estudo, e alumna da FCUP, explica: “As penas dos papagaios como que ‘pedem’ esta proteína ‘emprestada’, usando-a para transformar psitacofulvinas vermelhas em amarelas”. Segundo a cientista, “este mecanismo funciona como um regulador de luz ao contrário, no sentido em que maior atividade desta proteína resulta numa cor vermelha menos intensa”.

“De uma forma simples, quanto mais enzima era produzida por este gene, mais amarela a pena se tornava. Ainda mais entusiasmante foi a nossa observação de que esta estratégia era partilhada por outras espécies de psitacideos, desde as mais próximas às mais ancestrais.
Isto pode explicar não só a facilidade com que espécies novas alternam entre ambas as cores, mas também a grande capacidade de adaptação destes animais”, concretiza, por sua vez, a estudante da FCUP, Cristiana Marques.
Para demonstrar este mecanismo simples, a equipa voltou-se para um papagaio mais familiar, o periquito-australiano, para explorar como é que as células das penas, de forma individual, ligam ou desligam genes diferentes durante a formação de cada pena – algo nunca antes feito a nível mundial – o que lhes permitiu concluir que um conjunto reduzido de células é responsável por toda a mudança de cor nas penas.

Como validação final, os cientistas criaram leveduras geneticamente modificadas com este gene das cores dos papagaios: “Incrivelmente, as nossas leveduras modificadas começaram a produzir cores de papagaio, o que demonstra que este gene é suficiente para explicar a forma como os papagaios controlam a quantidade de amarelo e vermelho nas suas penas”, explica Roberto Arbore, também investigador do BIOPOLIS-CIBIO e um dos primeiros autores do estudo.

Este estudo demonstra como as novas tecnologias de ponta na biotecnologia estão a ser cada vez mais usadas para desvendar os mistérios da natureza. “Agora temos uma melhor compreensão em como estas cores incríveis evoluem em animais selvagens via um simples mecanismo de regulação que utiliza uma proteína de desintoxicação para servir um novo propósito” conclui Miguel Carneiro. Estas descobertas ajudam os cientistas a pintar uma nova e colorida imagem da evolução das espécies como um processo no qual a complexidade pode ser alcançada através de simples inovações.

“Como próximos passos seria tremendo conseguirmos alavancar o conhecimento que geramos para responder a questões como “Qual a necessidade de evoluir um pigmento tão único? Qual a sua função predominante? E por que razão existe uma redundância de cores na natureza partindo de pigmentos distintos?”, destaca Cristiana.

Importância de publicar na Science para quem faz doutoramento

Cristiana e Rita são estudantes de doutoramento em Biodiversidade, Genética e Evolução e investigadoras do BIOPOLIS-CIBIO. Foto: Frederico M. Barroso

Para as estudantes da FCUP e investigadoras no BIOPOLIS-CIBIO, publicar na Science tão cedo na carreira é uma experiência “profundamente gratificante”. “A Science, sendo uma revista generalista de circulação internacional, é também amplamente lida e mediática, o que implica que a nossa descoberta será difundida por um público vasto — incluindo a grande comunidade de criadores de psitacídeos que contribuiu com amostras para este estudo e partilha a nossa paixão por desvendar o mundo natural. Saber que o nosso estudo ajudará a promover a literacia científica junto do grande público e a despertar o seu interesse pela coloração das aves é especialmente importante para mim”, destaca Cristiana Marques, que é apaixonada pelo estudo da evolução da cor nas aves e que, ainda este ano, publicou também um trabalho sobre a cor nos cucos.

Cristiana Marques está no 5º ano do doutoramento em Biodiversidade, Genética e Evolução, ao passo que Rita Afonso frequenta o 3º. Para Rita, “foi muito gratificante participar neste estudo principalmente por ver a interação entre vários investigadores de áreas distintas”. A estudante, que está a direcionar a sua tese mais especificamente para o estudo das cores dos papagaios, destaca a “junção de várias técnicas, neste caso, desde a bioquímica à genética e microscopia” neste trabalho que “é muito importante para a discussão da investigação”. 

O estudo foi liderado por uma equipa de cientistas do BIOPOLIS-CIBIO e também da Universidade de Coimbra. São ainda autores deste trabalho Paulo Pereira, que terminou recentemente o doutoramento em Biodiversidade, Genética e Evolução na FCUP.