As cardosinas, presentes na flor do cardo, são essenciais para a produção do queijo da serra e estão a ser estudadas por investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) e do GreenUPorto – Centro de Investigação em Produção Agroalimentar Sustentável, num projeto inovador.
O objetivo é ajudar os produtores a tirar maior partido das cardosinas – enzimas que funcionam como coagulante vegetal (“coalho”) – na produção deste queijo e que lhe conferem características únicas e uma identidade exclusiva.
O ProCardo – Caracterização das proteinases aspárticas de Cardo na promoção do Queijo da Serra da Estrela – pretende ainda perceber de que forma é que os efeitos das alterações climáticas podem afetar a expressão e atividade das cardosinas de forma a auxiliar a indústria queijeira a preservar a qualidade do Queijo da Serra da Estrela.
Em Portugal, os cardos ocorrem na orla interior do país desde a Serra da Estrela até ao Algarve. De uma maneira geral, as flores utilizadas na produção do Queijo da Serra da Estrela são provenientes do Sul do país, zona muito suscetível aos efeitos da seca e do calor excessivo numa tendência crescente face às alterações climáticas.
Poderão as alterações climáticas ameaçar a qualidade destes queijos? É precisamente isso que os investigadores querem perceber e dotar a indústria queijeira com a capacidade de poder ultrapassar eventuais alterações das características das cardosinas nas flores de cardo.
“Existem dois tipos de cardosinas importantes no coagulante vegetal, a A e a B. Estas enzimas têm propriedades diferentes na sua ação, que é cortar a principal proteína do leite – a caseína – e promover a sua coagulação”, começa por explicar Cláudia Pereira, investigadora da FCUP e do GreenUPorto – Centro de Investigação em Produção Agroalimentar Sustentável, responsável pelo projeto.
“Sabemos que a proporção entre cardosina A e B é muito importante para que o queijo mantenha as suas características. Há uma que é mais específica nos cortes que faz nos diferentes tipos de caseína e uma outra que corta mais intensamente as cadeias peptídicas das caseínas e isso vai ter efeitos na qualidade do queijo”, acrescenta.
Ensaios e próximos passos do projeto
Os investigadores estão a estudar, no PSIlab na FCUP, como varia a expressão daquelas enzimas consoante diferentes tipos de stress ambiental.
Os primeiros ensaios de campo já permitiram à equipa do projeto perceber que há diferenças na proporção das cardosinas produzidas em plantas expostas a temperaturas elevadas relativamente às produzidas nas plantas em situação de conforto hídrico.
“Normalmente nas flores de cardo temos maior quantidade de cardosina A do que cardosina B, mas em plantas expostas a temperatura mais elevada as proporções tendem a igualar-se”, adianta a investigadora.
A equipa está atualmente a realizar ensaios de campo em Viseu em situações de stress hídrico e de conforto hídrico e a comparar esses resultados com ensaios realizados em plantas no Alentejo, nomeadamente em Beja, onde, em estufa, estão sujeitas a temperaturas elevadas.
Depois desta fase do projeto, os investigadores vão selecionar algumas condições mais extremas, em função dos ensaios de campo, obter flores colhidas nessas condições e utilizá-las na produção de Queijo da Serra da Estrela DOP. “Esse queijo será analisado em relação às características físico-químicas em laboratório e pelo painel da câmara de provadores do Queijo Serra da Estrela DOP, para avaliação sensorial quanto à textura, sabor e aroma”, conta Cláudia Pereira.
A última fase do ProCardo será a divulgação, através da realização de workshops, para mostrar e apresentar os resultados do projeto à indústria queijeira, tendo a primeira ação sido realizada na edição deste ano na feira do queijo de Serpa. No projeto está prevista ainda uma colaboração com produtores espanhóis que poderão também ter acesso e beneficiar deste conhecimento científico.
Para além de Cláudia Pereira, integram também a equipa da FCUP, José Pissarra, Ana Séneca, Miguel Sampaio e João Neves.
Com um financiamento total de 150.000 euros no âmbito do Programa Promove, uma iniciativa do BPI | Fundação “la Caixa” e da FCT, o ProCardo, que decorre até 2026, tem como parceiros o Instituto Politécnico de Viseu, o Centro de Biotecnologia Agrícola e Agro-Alimentar do Alentejo (CEBAL), em Beja e a Queijaria de São Cosme, em Gouveia.