Uma equipa de investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) conduziu o primeiro estudo realizado em Portugal com os níveis de variação e distribuição a longo prazo de fibras e microplásticos transportados pelo ar. Este trabalho pioneiro no país decorreu apenas na cidade do Porto, mas revela desde logo dados que os cientistas consideram “preocupantes”.

Realizado no âmbito da tese de doutoramento da estudante e investigadora Yuliya Logvina, decorreu ao longo de 18 meses, entre setembro de 2022 e março de 2024, e mostra que a contaminação do ar por microplásticos, por um lado, é permanente (estão sempre presentes nas amostras recolhidas) e que pode ser influenciada “por fatores meteorológicos, mas também outros desconhecidos”. O trabalho apresenta uma análise detalhada dos dados recolhidos, correlacionando-os com a sazonalidade e eventos como a direção e velocidade do vento ou a quantidade e ocorrência de chuva.

Os investigadores registaram um picos de até 164 microplásticos por metro quadrado por dia, nas partículas de dimensões entre 1,2 e 12 micrómetros, menores do que um fio de cabelo e que fazem parte da família das partículas finas PM2,5 e PM10, as mais preocupantes para a saúde por serem respiráveis e pela sua capacidade de penetração nos pulmões. Já para partículas maiores, entre 25 e 12 micrómetros, o maior pico registado foi de 534 microplásticos por metro quadrado por dia.

No dia 26 de abril, os microplásticos mais do que duplicaram face ao número de fibras encontradas e é preocupante porque não está ligado a nenhum evento meteorológico e por isso não sabemos o porquê disso ter acontecido”, detalha Yuliya, que é primeira autora do estudo recentemente publicado na revista Microplastics

Os microplásticos encontrados pertencem a uma variedade de polímeros sintéticos como polietileno, polipropileno, poliéster e outros. Estas partículas podem ter origens diversas como “o desgaste de materiais sintéticos, como roupas de poliéster e tapetes, a fragmentação de plásticos maiores devido à exposição ambiental, emissões de tráfego (desgaste de pneus e tintas), atividades industriais e depósitos de resíduos urbanos”.

Embora os impactos dos microplásticos na saúde humana ainda estejam a ser estudados, já há indícios que associam a inalação dessas partículas a maiores riscos de desenvolver problemas como doenças respiratórias, cardiovasculares ou determinados tipos de cancro.

Microplásticos (exemplo: bola azul) com 10 micrómetros observados com o microscópio ótico. Foto: DR

Embora as fibras sejam em menor quantidade, também são preocupantes devido à “possível quebra em fragmentos menores e o seu potencial impacto na saúde respiratória também”, esclarece a doutoranda da FCUP que está a ser orientada pelos docentes e investigadores da FCUP, Luís Pinto da Silva, Joaquim Esteves da Silva e Helena Ribeiro.

Para este trabalho, os investigadores recolheram, duas vezes por semana, as amostras de microplásticos e de fibras de um coletor atmosférico colocado nos jardins das traseiras do edifício FC2/3 da FCUP. Os dados foram posteriormente analisados com a ajuda de um microscópio ótico. 

Passo crucial para o mapeamento dos níveis de microplásticos no ar em Portugal

Em Portugal, apenas um estudo de caso sobre microplásticos no ar, realizado na cidade de Aveiro, foi publicado em 2020. Apesar do crescente interesse global no tema, de acordo com os investigadores, nos últimos anos não houve qualquer outro estudo sobre a presença de microplásticos na atmosfera do país. “É muito difícil estudar e analisar os microplásticos do ar em comparação com os da água ou do solo, porque é mais complicado isolar a amostra; por isso, é importante haver uma monitorização contínua para saber as quantidades que são transportadas”, explica Yuliya, que espera que este seja um passo crucial para a criação de um mapeamento dos níveis de microplásticos no ar. 

Os investigadores continuam a recolher dados na FCUP e também estão ainda a analisar dados recolhidos das cidades de Guarda e de Coimbra, que permitirão um trabalho mais abrangente e representativo.

Avaliar os riscos potenciais para a saúde humana e explorar estratégias de mitigação

Com este trabalho, os cientistas alertam para a necessidade de monitorização contínua e de recolher mais dados para que se consiga perceber a extensão deste problema, avaliar os riscos potenciais para a saúde humana e explorar estratégias de mitigação direcionadas para abordar os riscos à saúde associados com os microplásticos que se encontram em ambiente atmosférico. 

“Quando as taxas exatas de inalação forem estabelecidas e os efeitos dos microplásticos – incluindo os polímeros e os contaminantes associados – na saúde forem melhor compreendidos, poderá, entre outros, ser possível correlacionar o aumento de certas doenças, como o cancro e a asma, com os níveis de microplásticos no ar”, concretiza Yuliya. 

Perante este cenário, destacam os investigadores, “torna-se essencial intensificar os esforços de investigação e promover políticas públicas eficazes para reduzir a exposição a esses microplásticos e minimizar seus potenciais impactos a longo prazo”.