A alumna da FCUP e investigadora do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO) da Universidade do Porto, Diana Lobo, doutorada em Biodiversidade, Genética e Evolução, publicou recentemente um estudo que teve origem na sua tese de doutoramento e ajudou a revelar como a a adaptação do lobo ibérico a paisagens altamente humanizadas pode estar associada a um evento antigo de hibridação entre cães e lobos ibéricos que data de há pelo menos 3000 anos.

Publicado na prestigiada revista Genome Research, o estudo, coliderado por Diana Lobo e Raquel Godinho, também investigadora do BIOPOLIS-CIBIO, mostra como o gene de um cão pode ter ajudado o lobo ibérico a sobreviver.

Ao contrário de outras populações de lobo na Europa que se extinguiram após décadas de alterações drásticas da paisagem e de intensa perseguição pelo homem, na Península Ibérica o lobo persistiu continuamente, apesar da população ter sofrido um grande declínio que atingiu o seu máximo na década de 1970. Há vários anos que esta equipa liderada por investigadores do BIOPOLIS-CIBIO e que integra cientistas de várias instituições europeias questiona se esta resiliência única do lobo ibérico pode estar associada a eventos antigos de hibridação e passagem de DNA de cão para o genoma do lobo ibérico.

Para este trabalho, os investigadores analisaram o genoma de centenas de lobos ibéricos, lobos euroasiáticos e da América do Norte, e cães, e encontrou um pequeno bloco de DNA de cão no cromossoma 2 do lobo ibérico na região do gene MAST4. Este bloco de DNA de cão não foi encontrado em nenhuma outra população de lobo, sendo uma assinatura genética única do lobo ibérico. O gene MAST4 está associado a alterações cognitivas e de desenvolvimento em mamíferos, sugerindo que a informação contida neste bloco do DNA de cão pode afetar o comportamento do lobo ibérico.

Possível impacto do gene do cão no comportamento do lobo ibérico

“A nossa hipótese é este gene ter impacto no desenvolvimento cognitivo do lobo ibérico, fazendo-o reter em idade adulta comportamentos típicos de lobos juvenis, como a ausência de movimentos de dispersão de longa distância”, destacam as investigadoras que lideraram este estudo. O comportamento de dispersão é conhecido em todas as outras populações de lobo, e a sua ausência no lobo ibérico pode ser um mecanismo de sobrevivência, uma vez que a dispersão é um fator de vulnerabilidade para os lobos dispersores, referem as investigadoras. Este comportamento único de não dispersão do lobo ibérico foi descrito pela primeira vez pela mesma equipa do BIOPOLIS-CIBIO e publicado num estudo científico em 2018.

O estudo também permitiu descobrir que o DNA de cão encontrado no genoma do lobo ibérico resultou de um evento de hibridação muito antigo entre as duas espécies, há pelo menos 3000 anos. Esta descoberta aponta na mesma direção de outro estudo publicado pela equipa onde se mostrava que, nos anos 70, quando a população de lobo sofreu um declínio mais acentuado, os eventos de hibridação entre lobos ibéricos e cães não eram frequentes, sendo mais comuns durante as expansões populacionais.

Os eventos de hibridação entre as duas espécies continuam a ser raros, resultando numa pequena percentagem (~2%) de DNA de cão no genoma do lobo ibérico, o que confirma a sua integridade genética, como revelado neste recente artigo publicado em 2023.

De acordo com a equipa do BIOPOLIS-CIBIO, o lobo ibérico está isolado geneticamente na Península Ibérica há cerca de 10 mil anos.

“Os resultados deste estudo são muito relevantes para a compreensão da adaptação do lobo ibérico aos ambientes humanizados da Península Ibérica e da importância da sua singularidade para a conservação desta população”, destacam as investigadoras.

Os dados do último censo nacional revelaram uma redução no número de alcateias em Portugal, reforçando a necessidade de medidas de conservação para a espécie.

A tese de doutoramento de Diana Lobo, que é também mestre em Biodiversidade, Genética e Evolução pela FCUP, “A genome-wide perspective on the evolutionary trajectory of wolves in human-dominated landscapes“, foi defendida em 2023.