Qual a relação entre o estado dos habitats e a abundância das espécies de aves migradoras, ao longo do seu ciclo de vida anual? Foi para responder a esta questão que uma equipa de investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) e do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO) desenvolveu um estudo inovador, o qual confirmou a importância do uso de técnicas de deteção remota para a monitorização adequada das populações daquelas aves, contribuindo ao mesmo tempo para a definição de ações de gestão e de conservação.

“Trata-se de uma investigação baseada em ciência cidadã, que combina dados de abundância de uma ave migradora – a galinhola (Scolopax rusticola) – e um conjunto de variáveis ambientais estimadas a partir de produtos obtidos através de deteção remota por satélites de observação da Terra, que caracterizam o funcionamento dos ecossistemas”, detalha Francisco Salgueirinho Moreira , alumnus da FCUP que dedicou a sua dissertação do Mestrado em Ecologia e Ambiente a esta temática. 

Estas variáveis são conhecidas como Atributos de Funcionamento do Ecossistema (AFEs) e são dados obtidos por deteção remota, utilizados neste caso para tentar prever a variação espácio-temporal da abundância da galinhola no sudoeste da Europa, durante os períodos de migração outonal e de inverno. 

“A partir de produtos de satélite MODIS estimaram-se os valores semanais de um conjunto de parâmetros estatísticos zonais para três AFEs relacionados com: estrutura do coberto vegetal, quantidade de água no solo e vegetação, e temperatura ao nível do solo”, relata o investigador.

Neste estudo, foram utilizados dados recolhidos por organizações do sector cinegético (caça) na monitorização da galinhola, obtidos por meio da ciência cidadã, correspondentes a um total de 355 654 registos realizados entre 2009 e 2018, em três países europeus: Portugal, Espanha e França. 

“Os resultados confirmam que os AFEs e as suas dinâmicas sazonais possuem um poder preditivo significativo sobre os padrões espácio-temporais de abundância da galinhola. Este trabalho mostra que há mais vantagens na utilização de modelos calibrados com variáveis funcionais do que o uso que tem por base modelos calibrados exclusivamente com variáveis climáticas”, explica Francisco Salgueirinho Moreira.

O investigador acrescenta ainda que isto se deve ao facto de “os primeiros permitirem capturar o efeito conjunto das mudanças no clima e cobertura/uso do solo sobre a disponibilidade de habitat”. 

Este tipo de análise, que se baseia na existência de fortes relações entre a abundância de espécies e funções essenciais do ecossistema e processos ecológicos vitais, intimamente relacionados com os ciclos da água e do carbono e com o balanço energético, pode ser aplicado a outras espécies de aves, migradoras ou não.

“O próximo passo consiste na melhoria da resolução espacial dos registos da atividade cinegética (uma limitação para o trabalho atual), que permitirá melhorar a capacidade preditiva da análise efetuada”, refere Francisco Salgueirinho Moreira. 

“Poderão ainda ser aplicadas técnicas de modelação preditivas baseadas em inteligência artificial, que podem melhorar a nossa capacidade de prever a abundância das espécies a partir do espaço”, acrescenta o investigador.

Com a crescente disponibilidade de produtos de deteção remota, os investigadores têm a oportunidade de integrar a dinâmica do ecossistema na monitorização de habitats para apoiar as políticas de gestão e conservação de espécies. Para os cientistas desta equipa, esta possibilidade é “especialmente relevante” dado o contexto atual de mudanças ambientais globais e as novas políticas ambientais, agrícolas e de restauração da natureza a serem implementadas na Europa nas próximas décadas.

Para além de Francisco Salgueirinho Moreira participam também neste estudo dois docentes da FCUP, David Gonçalves e João Honrado, dois investigadores do CIBIO-InBIO, Adrián Regos e João Gonçalves e outros colaboradores, nacionais e internacionais: Tiago Rodrigues, André Verde, Marc Pagès, José Pérez, Bruno Meunier e Jean-Pierre Lepetit. 

O projeto e a cooperação internacional que o torna possível foram coordenados pelo docente do Departamento de Biologia da FCUP, David Gonçalves, responsável pelo grupo de investigação “Avian Ecology” do CIBIO-InBIO. 

O estudo foi publicado recentemente na revista Remote Sensing, de acesso aberto.