A Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) tem vindo a colaborar com agências espaciais, como a Agência Espacial Europeia (ESA), no estudo do nível médio do mar à escala global a partir do espaço.

Na FCUP, existe uma equipa dedicada à Altimetria por Satélite, uma técnica de deteção remota utilizada nas missões como a Sentinel-6, cujo primeiro satélite foi lançado há precisamente um mês. O grupo de especialistas tem sido reconhecido pelas agências europeias e pela comunidade científica e prepara-se para assinar contrato para colaborar nesta e noutras missões.

Como funciona a altimetria por satélite? O satélite que foi lançado possui a bordo um altímetro radar, que funciona através da medição do tempo que demoram os pulsos enviados pelo altímetro a viajar até à superfície da Terra e de volta ao satélite. Combinadas com o conhecimento da órbita precisa do satélite, as medidas de Altimetria por Satélite fornecem a altura da superfície do mar relativamente ao elipsoide terrestre.

O que permite saber esta técnica?

É através desta técnica que é possível saber que “há um aumento do nível do mar em termos globais de aproximadamente 3.3±0.4 mm/ano, que é contínuo e definitivo se não forem tomadas as devidas medidas de mitigação das alterações climáticas”, salienta Clara Lázaro, professora do Departamento de Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território (DGAOT) da FCUP.

O nível do mar assim determinado inclui a expansão térmica e as alterações de massa do oceano. “Para além disso, a altimetria por satélite permite determinar as correntes oceânicas de superfície e, portanto, conhecer a distribuição de fitoplâncton e recursos piscatórios, o que ajuda a entender e prever a evolução dos recursos marinhos”, acrescenta a docente.

Entre os instrumentos a bordo dos satélites, há também um radiómetro passivo de micro-ondas que contabiliza a quantidade de vapor de água na troposfera e que faz a estimação da correção que é necessário aplicar às medidas do altímetro, tendo em conta que a existência da água no estado gasoso provoca um atraso na propagação dos pulsos do altímetro.

A estimação da correção é mais difícil nas zonas costeiras, onde as medidas dadas por este sensor se degradam ou são inexistentes. “Esta é uma das maiores fontes de erro nas missões de altimetria”, explica Clara Lázaro. É aqui que entra o contributo da FCUP nestas missões.

Uma metodologia criada a pensar nas zonas costeiras

Joana Fernandes e Clara Lázaro, docentes do DGAOT-FCUP desenvolveram uma metodologia, chamada GNSS-derived Path Delay Plus (GPD+), para o cálculo da correção do atraso troposférico devido à existência de vapor de água na troposfera (WTC – Wet Tropospheric Correction). “Esta correção é aplicada depois nas zonas costeiras, com vista à recuperação das medidas de altimetria nessas zonas”, explica Clara Lázaro.

Mas o GPD+ não é apenas aplicado nas zonas costeiras. Pode ser também “usado em regiões cobertas por gelo, de chuva intensa e em situações de mau funcionamento do instrumento, levando, assim, a um melhoramento das medidas altimétricas também em oceano aberto”. Trata-se de uma correção muito importante — se ela não está disponível “as medidas de altimetria não são utilizadas, o que leva a faixas sem informação nessas zonas”.

Correção WTC GPD+ para o (a) CryoSat-2 (global) e (b) para o Sentinel-3 (zonas costeiras e pontos inválidos), calculada pela FCUP. Na figura mais abaixo, está representado o nível médio do mar obtido com medidas de Altimetria por Satélite (Imagem: FCUP).

“Neste momento, a comunidade científica e as agências ESA e EUMETSAT reconhecem que a equipa possui um know-how único neste tópico, pelo que é solicitada para participar em diversos projetos de investigação, sempre com vista ao cálculo da correção do atraso troposférico devido à componente húmida da troposfera nas zonas costeiras”, contam as investigadoras.

Atualmente, os estudantes do doutoramento em Engenharia Geográfica Telmo Vieira e Pedro Aguiar e vários mestrandos fazem, também, parte da equipa de Altimetria por Satélite da FCUP.

Os projetos em que está envolvida a equipa de Altimetria por Satélite

É neste contexto que o grupo de investigação em Altimetria por Satélite da FCUP integra as equipas de validação das missões Sentinel-3 e Sentinel-6 (S3VT e S6VT), tendo como missão contribuir para a validação da WTC presente nos produtos destes satélites, proveniente do radiómetro a bordo, e afinar a metodologia desenvolvida na FCUP para o posterior cálculo da correção GPD+ para estas missões.

A FCUP vai também assinar, em breve, um contrato com a EUMETSAT para o desenvolvimento, a implementação e o cálculo da correção GPD+ para os satélites Sentinel-3A e -3B e espera vir a fornecer, operacional e diariamente, as correções GPD+ para ambos os satélites. Futuramente, espera poder fornecer, também operacionalmente, a correção para os satélites Sentinel-6.

Para além destas missões, a FCUP participa ainda nos projetos CryoSat e Hydrocoastal, tendo a seu cargo o desenvolvimento da correção WTC para a missão CryoSat-2, para todo o oceano, no caso do primeiro projeto, e para as zonas costeiras e para os corpos de água continentais, como rios e lagos, para as missões CryoSat-2 e Sentinel-3, no segundo.

A correção WTC calculada pelo algoritmo GPD+ foi a selecionada para gerar a série climática da anomalia do nível do mar para as nove missões altimétricas analisadas no âmbito do ESA Sea Level Climate Change Initiative (CCI), uma série multimissão, homogénea e calibrada de dados do nível do mar apropriada para estudos climáticos.

Sobre a missão Sentinel-6

A missão consiste no lançamento sequencial de dois satélites idênticos. A 21 de novembro foi lançado o primeiro e, daqui a cinco anos, o Copernicus Sentinel-6B será lançado para assumir o comando.

A missão como um todo garantirá a continuidade dos dados para o estudo do nível do mar global até, pelo menos, 2030.