Um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) analisou as tendências de mortalidade em Portugal, ao longo de 132 anos, e concluiu que existem falhas no registo do número de casos de suicídio no país.

A investigação, publicada na revista Journal of Affective Disorders, constatou que os números mais baixos de suicídios, registados em determinados períodos da história, poderão não ser reais.

Os autores do estudo, desenvolvido ao abrigo da Unidade de Investigação em Epidemiologia (EPIUnit) do ISPUP, analisaram os dados sobre mortalidade, em Portugal, entre os anos de 1886 e 2018. Seguidamente, averiguaram se as tendências no número de mortes e de suicídios encontrados ao longo do tempo, tinham correspondência com a realidade ou eram fictícios.

Globalmente, concluiu-se que houve uma tendência decrescente no número de suicídios, ao longo dos anos, em Portugal, tendo existido um decréscimo maior em três períodos: em 1930, 1982 e 2001. Contudo, os investigadores constataram que a diminuição encontrada nestes três momentos da história é fictícia, não correspondendo à realidade dos casos ocorridos.

Os erros de registo e as mudanças no sistema de classificação das doenças

A explicação para esta diminuição poderá residir “nas alterações verificadas no sistema estatístico nacional e nas modificações no método de classificação das doenças (nosologia), nos períodos temporais indicados”, explica Ricardo Gusmão, coordenador do estudo com a coautoria de Henrique Barros.

De notar que a mudança na classificação das doenças poderá ter contribuído para o aumento dos chamados suicídios mascarados (quando a morte não é registada como suicídio, mas como consequência de outra causa).

“O facto de muitas mortes por suicídio serem registadas indevidamente faz com que o suicídio seja bastante sub-representado em Portugal. Tal situação é preocupante, pois contribui para a diminuição da verdadeira dimensão deste problema de saúde pública no país”, refere o investigador.

Assim, é necessário ter cautela na análise dos números atuais de suicídio, em Portugal, e ter um olhar crítico para com as conclusões de outros estudos sobre o tema. “Este trabalho veio demonstrar que necessitamos de melhorar a forma de registo dos suicídios no nosso país. Percebemos que, em determinados momentos da história, houve uma subnotificação do número de casos, passando a ideia de que o número de suicídios era mais baixo do que era na realidade”, frisa Ricardo Gusmão.

Para o também médico psiquiatra, este paper faz uma espécie de avaliação dos dados existentes sobre suicídio em Portugal, sublinhando que “só é possível ser eficaz na prevenção deste problema de saúde pública, quando conseguimos fazer uma leitura correta dos números”.

No artigo, designado Suicide time-series structural change analysis in Portugal (1913-2018): Impact of register bias on suicide trends, participam também os investigadores Carlos Ramalheira, Virgínia Conceição, Milton Severo, Edgar Mesquita e Miguel Xavier.