Apesar de em Espanha e em Portugal terem sido aprovadas leis pioneiras a nível mundial para o reconhecimento dos direitos das pessoas que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexo (LGBTI), o preconceito e a discriminação contra estas pessoas continua presente nos contextos laborais de ambos os países. Essa é a principal conclusão de um estudo internacional que contou com a participação de Jorge Gato, investigador da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP).

Promovido pela Dirección General de Igual de Trato y Diversidad do Ministerio de la Presidencia, Relaciones com las Cortes Y Igualdad de Espanha, conjuntamente com a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género de Portugal e a Universidad Complutense de Madrid (Espanha), o Projeto Europeu ADIM – Avançar na Gestão da Diversidade LGBTI nos setores público e privado teve como objetivo “avaliar os ambientes e as políticas organizacionais relativas à inclusão das pessoas LGBTI em diferentes empresas e universidades”.  Procurou-se ainda “identificar as perceções e experiências das trabalhadoras e dos trabalhadores dessas mesmas organizações relativamente a essa inclusão”.

Para o efeito, foi enviado um questionário anónimo a mais de 53 mil trabalhadores e trabalhadoras de 16 empresas do setor privado e oito universidades públicas de Espanha e Portugal. O inquérito foi respondido por 8557 pessoas, das quais 1147 faziam parte da comunidade LGBTI. Esta constitui uma das maiores amostras disponíveis para conhecer a situação destas pessoas no seu local de trabalho.

Os resultados do inquérito permitiram então detetar diversas situações de homofobia, lesbofobia, bifobia e transfobia em contexto laboral. Uma realidade patente, por exemplo, nas 36% das pessoas LGBTI que ouvem com alguma ou muita frequência rumores sobre a sua orientação sexual / identidade de género ou sobre outra pessoa LGBTI, em contexto laboral.

Mais de um terço dos inquiridos (36%) admitiu também já ter ouvido alguma piada de mau gosto ou comentário negativo acerca das pessoas LGBTI, ao passo que 13% presencia com alguma ou muita frequência uma pessoa ser gozada ou insultada por ser LGBTI. Cerca de 7% presenciou uma pessoa a não receber uma promoção, um aumento salarial ou a ser prejudicada profissionalmente de outra forma por ser LGBTI e 2% viu uma pessoa perder o seu trabalho por ser LGBTI.

“Da mesma forma que alguns homens não têm consciência de determinadas situações de discriminação que são vividas pelas mulheres, já que não as experienciam na primeira pessoa, muitas pessoas que não são LGBTI não estão conscientes das dificuldades que enfrentam os membros desta comunidade em contextos laborais”, aponta a equipa de investigadores, na qual se inclui Jorge Gato.

Investigador na FPCEUP, Jorge Gato participou na execução e implementação do questionário. (Foto: DR)

“Invisibilidade” no trabalho

Segundo os autores do estudo, “a maioria das pessoas lésbicas, gays, bissexuais e trans foram socializadas e educadas num contexto em que sair da normalidade heteronormativa pressupunha um importante estigma social. Por esse motivo, há ainda “uma importante parte das pessoas LGBTI que, apesar de se terem  assumido na sua vida quotidiana como lésbicas, gays, bissexuais ou trans, ainda se veem obrigadas a esconder esta faceta da sua identidade no seu contexto laboral”.

Na verdade, e de acordo com os dados do inquérito levado a cabo no âmbito do projeto ADIM, mais de metade dos trabalhadores/as e trabalhadoras LGBTI não se assume livremente como tal nas suas empresas e outras instituições, em comparação a outros espaços da vida privada.

Mais de metade das pessoas LGBTI (54%) justifica a sua “invisibilidade no trabalho” com o argumento de que se trata de uma questão privada. “Evitar rumores e estereótipos” (43%), “ter de dar explicações” (32%), o receio da  “perda de oportunidades profissionais” (21%) ou o “medo de rejeição ou de isolamento (18%) são outros motivos pelos quais as pessoas LGBTI não falam livremente sobre a sua orientação sexual ou identidade de género.

O estudo conclui ainda que as pessoas LGBTI evitam, em muito maior escala, falar de temas tão relevantes como a sua vida social, os seus hobbies, os seus afetos e as suas famílias. “Estes dados demonstram que a dificuldade para as pessoas LGBTI não advém tanto de falar de determinados aspetos da sua vida privada (hobbies e vida social), mas sim de falar das questões que podem dar-lhes visibilidade como pessoas LGBTI, ou seja, da sua vida afetiva e sexual e das suas famílias (filhos e filhas)”, apontam os investigadores.

“Possibilitar a visibilidade LGBTI melhora a produtividade”

O estudo termina concluindo que “a pressão exercida sobre as minorias está associada a situações de stress e depressão, o que eleva esta problemática a uma questão de saúde pública “. Por este motivo, “possibilitar a visibilidade LGBTI melhora as condições laborais e a produtividade, pelo que as empresas e as instituições devem potenciar que todos e cada um dos seus trabalhadores/as possam mostrar a melhor versão de si mesmos sem pôr em causa uma parte da sua personalidade”.

Os principais resultados do estudo, bem como várias propostas para promover a inclusão da diversidade sexual e identidade de género em empresas e organizações, estão disponíveis no Guia ADIM LGBTI – Inclusão da diversidade sexual e identidade de género em empresas e organizações .

No website do projeto estão igualmente disponíveis outros materias informativos, como vídeos e testemunhos de pessoas que falaram à equipa do projeto que levou a cabo este estudo.