Corria o ano de 1955 quando o escultor Altino Maia concebeu um conjunto de imagens destinadas à então recém-inaugurada igreja Igreja Paroquial de São Pedro da Afurada. Arrojadas para a época, as esculturas dos “Santos Pretos” acabaram, contudo, por ser rejeitadas pela comunidade, o que levou à sua remoção e enclausuramento em armários da sacristia. Até agora, e graças ao projeto “Santos d’Afurada. Arte, Devoção e Comunidade”, que junta a Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), o CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória» e a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia.

Através deste projeto, pretendeu-se tornar públicas as imagens de Altino Maia, dar a conhecer o seu autor, compreender as razões da encomenda, expor as características plásticas da sua obra, refletir sobre as razões que levaram a comunidade a rejeitar as imagens. Em paralelo, procurou-se redescobrir o lugar destas imagens no seio da comunidade da Afurada e o reconhecimento, por parte da mesma, do seu valor artístico e devocional.

Coordenado pelas docentes Ana Cristina Sousa (FLUP/ CITCEM), Maria Leonor Botelho (FLUP/CITCEM) e por Cátia Oliveira, estudante de doutoramento em Estudos de Património (FLUP), o projeto “Santos d’Afurada” envolveu uma equipa de 21 estudantes do Mestrado de História da Arte, Património e Cultura Visual da FLUP. A estes associaram-se ainda entidades como a  Universidade do Porto, a Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, o Arquivo Histórico da Marinha, o Jornal de Notícias e a empresa Dot – Design e Comunicação.

(Foto: DR)

Deste trabalho conjunto, e desenvolvido na sua quase totalidade à distância durante o ano letivo 2020/2021, devido ao contexto pandémico, resultou a exposição “Santos d’Afurada”, inaugurada no passado dia 4 de julho, no Centro Interpretativo do Património da Afurada (CIPA ), no contexto das celebrações das Festas de São Pedro da Afurada.

Nesta mostra, que se prolongará até outubro, são apresentadas, pela primeira vez em mais de 40 anos, as dez imagens esculpidas pelo escultor Altino Maia para a igreja paroquial da Afurada. “Estes pobres destes santos não foram muito apreciados na época, mas o seu valor artístico é inegável. Quero agradecer por isso o duplo contributo da Universidade do Porto. A salvaguarda, o estudo e inventariação deste património, mas também o dar-lhe credibilidade”, manifestou o Bispo do Porto, D. Manuel Linda, durante a sessão da inauguração.

“Este é um exemplo de sucesso, na medida em que vivamente associa a Universidade, na sua componente letiva e científica, à comunidade e aos poderes públicos em experiências que esperamos ver repetidas. O que aqui temos é comunicação de memória e comunicação de ciência, de uma forma democrática e capaz de chegar às pessoas”, referiu por sua vez Amélia Polónia, coordenadora científica do CITCEM.

Igualmente presente na sessão, Fernanda Ribeiro,  diretora da FLUP, congratulou o projeto, lembrando que “a ciência só tem sentido se devolvermos à sociedade aquilo que é o resultado do nosso trabalho”. Uma opinião partilhada por João Veloso, Pró-Reitor da U.Porto para Promoção da Língua Portuguesa e a Inovação Pedagógica, segundo o qual “também é através da elaboração de redes com instituições de fora dos nossos muros que se constrói a finalidade número 1 das universidades: contribuir para o desenvolvimento das comunidades locais e nacionais onde nos inserimos”.

A exposição “Santos d’Afurada” está também disponível na plataforma Google Arts & Culture (Parte I e Parte II).

A exposição “Santos d’Afurada” vai estar patente até outubro, no Centro Interpretativo do Património da Afurada (CIPA ). (Foto: DR)

Imagens “malditas”

A história das imagens agora “recuperadas” remonta então ao início da segunda metade do século passado, quando o escultor Altino Maia concebeu nove imagens de vulto destinadas à nova igreja da Afurada, inaugurada a 10 de julho de 1955. Na sequência dessa encomenda, o artista executou ainda um Crucifixo para a parede fundeira da capela-mor e, no ano seguinte, o conjunto de catorze relevos da Via Sacra, expostos desde então na parede norte da igreja.

Distanciando-se em termos plásticos e estéticos das imagens tradicionais, as esculturas foram rejeitadas pela comunidade que cedo lhes atribuiu epítetos depreciativos como de “Santos Pretos” ou “Santos das Rodilhas”.

Apesar de o escultor defender o caráter individual e livre do ato criador e este como espelho da conceção artística do autor, certo é que as imagens foram apeadas e enclausuradas em armários da sacristia após a saída do Padre Joaquim, o defensor e protetor destas esculturas durante quatro décadas. Até agora…

(Foto: DR)