Chama-se Entre e toma como inspiração a primeira peça anatómica que o Museu de Anatomia Professor Nuno Grande obteve, da autoria do próprio fundador e antigo docente do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS). A pintura é assinada por Mariana Maia Rocha, estudante da licenciatura em Artes Plásticas – Pintura da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP), e acaba de ser doada ao ICBAS.

Na obra agora patente no corredor principal do Departamento de Anatomia do Instituto, a jovem pintora retrata “a relação dicotómica entre a vida e a morte”. Para a artista, tratou-se também de uma tentativa de dar forma à escuridão, pois encontrava-se num período mais triste da vida com a morte da avó e tal incidiu sobre a sua arte. Exemplo disso é a data presente na obra – 1945 – que “representa a idade de nascimento da minha avó tornando-se parte integrante da obra juntamente com outras legendas presentes nas várias peças”.

“Desenhar sempre foi um veículo preponderante no modo como compreendo o mundo. Assim, senti que precisava de ter esta experiência do lugar, do espaço Museu, enquanto revelador e potenciador de outros sentidos e, como escreve John Berger, outro modo de ver. E, sem dúvida alguma, esta foi uma experiência preponderante na minha relação com o corpo, o corpo interior, o corpo enquanto um todo, mas também as variadas partes”, explica Mariana Maia Rocha.

A jovem pintora admite até que esta obra representa “uma nova direção do meu trabalho autoral artístico” e confessa-se apaixonada por ilustração científica, uma vez que passar por este processo individual de conhecimento, a tenha tornado mais atenta quanto à especificidade de cada objeto enquanto objeto de estudo, enquanto parte de um corpo, enquanto carne – “Sim, este lado carnal tornou-se uma preocupação para mim. Perceber melhor a composição e organização de elementos que o definem”.

Mariana Maia Rocha junto à obra agora exposta no corredor principal do Departamento de Anatomia do ICBAS. (Foto: DR)

Arte e Ciência “podem e devem coexistir”

A obra foi realizada no âmbito da colaboração institucional existente entre o ICBAS e a FBAUP.  Ao abrigo desta parceria, o Museu Prof. Nuno Grande recebe, desde 2013, os estudantes de Belas Artes das Licenciaturas em Artes Plásticas e Design de Comunicação.

Esta cooperação evidencia-se na transmissão e difusão da arte dela produzida e resultou já em várias exposições ao longo dos anos, entre as quais “O Corpo transparente – desenho no Museu Anatómico: partilha e experiências pedagógicas 2017”. Nestes desenhos, ensaiam-se diferentes estratégias de conhecimento das peças humanas, animais e modelos anatómicos que integram o Museu.

Segundo o Diretor do ICBAS, Henrique Cyrne Carvalho, a doação da pintura de Mariana Maia Rocha vem “enriquecer o espólio do ICBAS e demonstrar que a Arte e a Ciência podem e devem coexistir”.

Maria João Oliveira, Diretora do Departamento de Anatomia do ICBAS, e Henrique Cyrne Carvalho, Diretor do ICBAS, estiveram presentes no momento da doação. (Foto: ICBAS)

Uma forma de “retribuir a experiência”

A doação da obra ao ICBAS  surgiu por iniciativa da própria artista, já que sentiu que esta seria mais útil no Instituto.

Tal como “tantas pessoas doaram o seu corpo à ciência e o ICBAS foi tão generoso a receber a FBAUP, penso que isto seria o mínimo que poderia fazer. Retribuir a experiência, retribuir a emoção que esta obra me faz sentir, dar uma parte de mim que poderá ser útil mesmo até para os jovens estudantes do ICBAS poderem estudar”, frisa a estudante e Pintura.

Mariana Maia Rocha salienta ainda que, ao longo das várias aulas que teve no ICBAS, foi-se apercebendo que queria aumentar a escala do trabalho. Para tal, resolveu levar os vários desenhos que fizera nas aulas no ICBAS para as aulas de Atelier II de Pintura da FBAUP, com a docente Joana Rêgo Sofia Torres. No fundo, percebia-se que o desenho acabaria por ser para ela uma estratégia de conhecimento, quase como uma ‘reportagem’ do lugar, mas também uma ‘reportagem’ das legendas das peças, das relações cromáticas entre si, nas diferenças de luz e espessura de linhas. Deste modo, a pintura foi crescendo através dos vários esboços, esquissos, realizados no Museu.

A jovem pintora reforça ainda a importância que a FBAUP teve no início do seu percurso académico e o modo como marcou o seu projeto autoral e a sua paixão pelo espaço, pelos cheios e vazios. Quanto ao futuro, irá passar no ramo da investigação, mas essencialmente, a ser artista, investigadora e quiçá docente.. Quer conhecer o mundo, viajar a desenhar, a investigar, mas acima de tudo quer ser feliz. E, na FBAUP, ela é verdadeiramente feliz. “É como uma casa para mim, parece que aqui todos falamos a mesma língua, respiramos arte”, revela.

A obra de Mariana Maia Rocha encontra-se exposta no Museu de Anatomia Prof. Nuno Grande, no ICBAS, no corredor principal do Departamento de Anatomia do ICBAS.