Uma equipa do Laboratório de Farmacologia e Neurobiologia (LNF) /  Centro de Investigação Farmacológica e de Inovação Medicamentosa (MedInUP) do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto está a desenvolver um conjunto de estudos que podem abrir portas ao desenvolvimento de novas terapias para a fibromialgia e outras doenças músculo-esqueléticas.

A fibromialgia é uma doença extremamente incapacitante que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Manifesta-se através de dor e hipersensibilidade cutânea, muscular e articular generalizada, fadiga, dificuldade de concentração, insónia, depressão/ansiedade, cefaleias e sintomas típicos de disfunção do sistema nervoso autónomo (como intestino irritável, hiperatividade da bexiga e dificuldade na regulação da temperatura corporal).

“Estas características levaram-nos a pensar que, na base desta doença, está uma desregulação do funcionamento do tecido conjuntivo devido a inflamação e fibrose com impacto direto na atividade nervosa”, explica Paulo Correia de Sá, diretor do LNF do ICBAS.

O segredo está na adenosina

Foi com base nesta constatação que a equipa apontou como “alvo” a adenosina, uma molécula importante na sinalização intercelular em vários sistemas biológicos (e.g. imune, nervoso, cardiovascular, digestivo) e cujos níveis extracelulares aumentam quando o tecido conjuntivo é submetido a deformação mecânica e inflamação. Neste contexto, a adenosina – cuja produção está intimamente relacionada com a utilização da energia libertada pelo ATP (adenosina trifosfato) para o funcionamento celular – apresenta propriedades farmacológicas interessantes como agente analgésico local (na acupunctura) com propriedades anti-inflamatórias e imunossupressoras.

Para além da importância na fibromialgia, a adenosina tem um papel relevante noutros processos igualmente estudados no LFN. É o caso da proliferação e diferenciação de células progenitoras da cartilagem articular (tecido amortecedor que reveste a superfície do osso ao nível das articulações, protegendo-as), cuja desregulação pode estar subjacente a doenças como a osteoartrose ou a artrite reumatoide.

A investigação do LFN – sustentada em três artigos científicos publicados, todos eles, em 2020 – permitiu então perceber que a presença das enzimas responsáveis pela formação de adenosina a partir do ATP e o aumento de um dos subtipos de recetores para a adenosina (A2A) são essenciais para a correta diferenciação das células progenitoras da cartilagem provenientes da medula óssea humana.

Esta descoberta abre assim portas para novas abordagens terapêuticas capazes de promover a expansão e correta diferenciação condrogénica de células multipotentes, “quer sejam provenientes do osso subjacente à cartilagem ou transplantadas a partir da medula óssea do próprio doente para o ambiente articular após manipulação “in vitro”, tal como já estamos a fazer no nosso laboratório”, esclarece Paulo Correia de Sá.

Paulo Correia de Sá é o diretor do Laboratório de Farmacologia e Neurobiologia do ICBAS. (Foto: DR)

Uma descoberta inédita

Num outro âmbito, a investigação desenvolvida pelo mesmo grupo mostrou que a adenosina tem também um papel essencial no controlo da neurotransmissão muscular esquelética, que é essencial para caminhar, coordenar os movimentos finos dos olhos, da face e das mãos, mas também para a respiração, onde o diafragma é o músculo mais importante.

Durante muitos anos, acreditou-se que o funcionamento das sinapses (junções entre neurónios ou entre neurónios e músculos) responsáveis pela propagação do impulso nervoso era unidirecional, sendo no caso específico da junção neuromuscular esquelética devida à libertação nervosa da acetilcolina.

Contudo, a utilização de “uma técnica de vídeo-microscopia avançada, apenas disponível em dois ou três laboratórios a nível mundial, que permite avaliar o funcionamento das células peri-sinápticas de Schwann em simultâneo com a atividade sináptica” implementada pelo Professor Noronha-Matos, permitiu à equipa de Paulo Correia de Sá descobrir uma nova dimensão supra-sináptica no controlo da transmissão neuromuscular.

Como explica o responsável pelo LFN do ICBAS, instituição que se dedica há 30 anos a estudar o controlo da libertação de acetilcolina por diversas moléculas, as células peri-sinápticas de Schwann “são capazes de sentir retrogradamente o estado de funcionamento muscular” e, dessa forma, “adaptar a libertação do neurotransmissor às necessidades da contração através da libertação de adenosina para a fenda sináptica”.

Para além da relevância fisiológica do mecanismo descrito agora pela primeira vez, os resultados agora revelados abrem portas para a descoberta de novos alvos para o tratamento de doenças como a Miastenia gravis, uma doença neuromuscular incapacitante e relativamente frequente.