Uma equipa de investigadores do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), em colaboração com o ICVS, o Instituto Pasteur (França) e a Universidade de Nanjing (China), desvendou o mecanismo que limita a utilização da citocina IL-10 (produzida por células do sistema imunitário) no tratamento do cancro e outros tratamentos anti-inflamatórios, explicando assim alguns efeitos secundários negativos associados à administração terapêutica desta citocina.

Os tratamentos biológicos (fármacos que são obtidos ou derivados de organismos vivos) são cada vez mais considerados uma abordagem eficaz para tratar doenças auto-imunes, inflamatórias e até mesmo para o cancro, uma vez têm a capacidade de estimular ou suprimir o sistema imunitário. Entre os que já estão a ser utilizados, incluem-se as citocinas, da qual faz parte a interleucina-10, conhecida como IL-10.

Os efeitos anti-inflamatórios da IL-10 são conhecidos, razão pela qual já foi testada em humanos com doenças inflamatórias. No entanto, esses ensaios foram abandonados por se terem registado efeitos secundários a nível sanguíneo. Noutros estudos, investigadores observaram que a IL-10 tinha efeitos bastante positivos como terapia em determinados tipos de tumores, algo que não seria de esperar, pois a inflamação na área tumoral é algo esperado após um tratamento e a IL-10 é um anti-inflamatório.

Estes efeitos contraditórios dos tratamentos com citocina IL-10 levaram a equipa de investigadores liderada por Margarida Saraiva (i3S) e Paulo Vieira (Instituto Pasteur) a tentar compreender o que se passa no organismo quando sujeito a níveis elevados de IL-10.

“Recorremos a três modelos animais distintos para conseguirmos entender o que realmente se passa e se isso era extrapolável para modelos humanos. Usámos animais com expressão de IL-10 aumentada, animais com a aumento de expressão de IL-10 condicionada, e animais «humanizados», em que o sistema imunológico é modificado com células de origem humana e aos quais foi administrada a versão humana de IL-10 para comparar a resposta com a dos outros modelos”, explica a investigadora.

Em busca de novas terapias

No artigo recentemente publicado na prestigiada revista Cell Reports, a equipa dá conta que níveis muito elevados de IL-10, característicos das terapias biológicas, têm um efeito colateral: A IL-10 acaba por ter impacto no bom funcionamento da medula óssea, onde se inicia a formação de quase todas as células sanguíneas, e desvia o seu funcionamento aumentando a produção de um tipo de células do sangue específicas, aquelas a que os investigadores chamam da “linhagem mieloide”. O desvio das células da medula para a formação de células desta linhagem acarreta um declínio de formação de outras linhagens, nomeadamente a dos glóbulos vermelhos, o que pode estar na base das anemias observadas nos pacientes tratados com IL-10 em ensaios clínicos.

Por outro lado, adianta Margarida Saraiva, “concluímos que a IL-10 reprograma um conjunto de glóbulos brancos, as células T, ativando-os e induzindo a produção de uma molécula chamada Interferão-gama (IFN-γ) que, por sua vez, tem efeitos pro-inflamatórios, explicando assim possivelmente os muitos efeitos paradoxais da ação da IL-10, nomeadamente no tratamento do cancro”.

Para Margarida Saraiva, “descobrir os detalhes destes mecanismos é muito importante dado que as imunoterapias são das terapias mais promissoras para a medicina de futuro. E as citocinas, grupo de imunomoduladores ao qual pertence a IL-10, são das mais investigadas atualmente”.

“Perceber que é necessário esclarecer mecanismos novos e potencialmente refinar as quantidades administradas para prevenir efeitos não desejáveis é fundamental para o desenho de novas terapêuticas baseadas em citocinas, podendo ser a chave do sucesso de uma terapia ainda em estudo”, conclui a investigadora.