Drosophila americana, modelo de estudo

A Drosophila americana foi o modelo de estudo (Foto: DR)

Live fast, die young. A expressão foi eternizada pelo cinema, mas o que nos diz a ciência sobre ela? Basicamente, depende da forma como contamos o tempo. Quem o diz é Jorge Vieira, investigador no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) da Universidade do Porto e autor de um conjunto de trabalhos experimentais realizados com Drosophila americana e publicados recentemente, pela equipa que lidera, na PLOS One. No estudo, os investigadores verificaram que em determinadas condições, neste caso o frio, estas moscas entram num processo de envelhecimento tão lento que quando colocadas novamente em condições ótimas, estão quase tão jovens como no dia em que começaram o período de frio.

As moscas, quando sujeitas a temperaturas mais baixas ou a restrição calórica, são capazes de reduzir a velocidade de envelhecimento, contudo têm que viver mais devagar. “Temos o hábito de medir o tempo com base na rotação da terra, mas a natureza não mede assim”, afirma o investigador. “Para os seres vivos, para as células, o tempo é uma dimensão ontogénica”, ou seja, depende da velocidade com que a vida é vivida, explica Jorge Vieira. Os insetos são excelentes modelos para estes estudos pois, em condições adversas, são capazes de alterar o metabolismo de tal forma que os órgãos reprodutores, os músculos e outros tecidos não envelhecem. A este período chama-se diapausa.

Jorge Vieira, Investigador do i3S /IBMC

Jorge Vieira, Investigador do i3S /IBMC

Uma das moscas criadas este grupo de investigadores viveu 11 meses em condições de diapausa, embora a esperança média de vida desta espécie seja de apenas dois meses. Se extrapolarmos para a espécie humana, assumindo uma esperança média de vida de 90 anos), esta mosca viveu o equivalente a 495 anos. Contudo, não viveu para sempre, o que quer significa que, apesar de lentamente, essa mosca também envelheceu.

“Alguns autores que realizaram trabalhos noutra espécie, a Drosophila melanogaster, afirmam que durante a diapausa não há envelhecimento de todo”, explica Jorge Vieira, “o que em teoria significaria que, em determinadas condições, seria possível manter a mosca viva eternamente. No entanto, não é isto que verificamos.”

Recorrer a moscas que vivem alguns meses para estudar evolução, onde o tempo se mede em milhares de milhões de anos, pode parecer contraditório, mas não é. Na verdade, o curto ciclo de vida destas espécies permite, a curto prazo, observar fenómenos que noutros modelos levariam centenas de anos. Com base na diversidade genética e fenotípica de populações selvagens, os investigadores do i3S perseguem uma questão: quais as condicionantes genéticas que determinam a capacidade de envelhecer devagar, e com esta se distribui pelas diferentes populações de D. americana.

As populações desta espécie variam muito entre si, quer na forma ou na rapidez com que vivem, quer no modo como respondem a situações que desaceleram o envelhecimento. Os investigadores têm vindo a descobrir que “há um conjunto de genes responsáveis pela velocidade com que as Drosophila envelhecem”. Mas nem todas as moscas, nem todas as populações, respondem de igual modo às condições do meio e “isso depende muito da sua composição genética”, afirma o investigador. Parece, segundo outros trabalhos, que o mesmo se aplica aos humanos, mas ainda estamos muito longe de perceber o segredo da fonte da juventude.

É caso para se dizer que, talvez na mosca o caminho para ver como é possível ambicionar um “live fast, live long”, ou se é mesmo isso que já fazemos.