Uma equipa de investigadores do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), liderada pela cientista Salomé Pinho, descobriu que alterações na composição dos glicanos (açucares) à superfície das células confundem o sistema imunitário e desencadeiam doenças autoimunes como o Lúpus. Os investigadores mostraram também que é possível reparar esta modificação de glicanos, e desta forma, prevenir o desenvolvimento do Lúpus.

A descoberta foi publicada na prestigiada revista científica Science Translational Medicine e distinguida esta semana com um prémio de inovação de 280 mil euros pela associação americana Lupus Research Alliance (LRA).

As doenças autoimunes são patologias crónicas caracterizadas pela incapacidade do nosso sistema imunitário em distinguir o “próprio” do “não-próprio”, o que o leva a “atacar” as nossas próprias células, desencadeando um processo inflamatório crónico. São normalmente doenças debilitantes e incapacitantes, sem cura e com impacto na qualidade de vida dos doentes.

A equipa do i3S centrou-se no estudo do Lúpus e quis perceber até que ponto a presença anómala de açucares (glicanos) alterados à superfície do rim determina o aparecimento desta doença autoimune.

Salomé Pinho, líder do grupo «Immunology, Cancer & GlycoMedicine», explica que o sistema imune, ao perceber que “há uma expressão anómala de açucares à superfície das células do rim, ativa um certo tipo de células imunológicas que levam à produção de moléculas pro-inflamatórias, contribuindo assim para o estabelecimento do processo inflamatório”. Isto significa, esclarece, que “conseguimos identificar um novo mecanismo subjacente ao desenvolvimento de uma patologia autoimune”.

Como explica Inês Alves, primeira autora do estudo, a equipa conseguiu também descobrir que é possível reparar esta modificação anómala de glicanos e controlar desta forma a resposta imunológica auto-reativa, evitando que o rim seja «atacado» pelas células imunes e prevenindo, assim, o desenvolvimento do lúpus». Estão, assim, abertas novas portas para o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas para o tratamento de doenças autoimunes.

Esta descoberta é particularmente importante porque o lúpus afeta milhões de pessoas em todo o mundo e é uma doença complexa, já que o sistema imunitário pode atacar qualquer parte do corpo, incluindo os rins, cérebro, coração, pulmões, sangue, pele e articulações.

Mais de 90 por cento dos doentes são mulheres e a doença surge frequentemente entre os 15 e os 45 anos, ou seja, na fase mais ativa e produtiva da mulher. Os afro-americanos, hispano-americanos, asiáticos e nativos americanos estão duas a três vezes mais expostos a riscos do que os caucasianos.

Um “reconhecimento do trabalho desenvolvido no i3S e em Portugal”

Ter conquistado um dos sete «Lupus Innovation Award», atribuídos este ano pela Lupus Research Alliance (LRA), e ser o único projeto europeu distinguido, tem um significado especial para Salomé Pinho: “Trata-se da maior agência de financiamento não governamental, sem fins lucrativos, de investigação sobre lúpus em todo o mundo. Além disso, a totalidade dos donativos que a associação recebe destina-se a apoiar a investigação de ponta em lúpus com o objetivo de descobrir melhores diagnósticos, melhores tratamentos e, em última análise, uma cura para o lúpus. É, por isso, um orgulho imenso receber este prémio, mas também representa um reconhecimento do trabalho que temos desenvolvido no i3S e em Portugal em estreita colaboração com hospitais como o caso do Centro Hospitalar Universitário de Santo António-Porto”.

Inês Alves destaca por sua vez o impacto do estudo agora publicado na investigação de translação e a importância do prémio na continuação deste trabalho para uma fase mais próxima da clínica: ” descoberta de um novo mecanismo subjacente à resposta imune descontrolada que caracteriza o Lúpus abre portas para investigarmos novas abordagens terapêuticas que podem ter impacto num leque alargado de doenças autoimunes. O prémio irá permitir transformar este mecanismo num alvo terapêutico e, assim esperamos, controlar a doença e melhorar a qualidade de vida destes pacientes”, aponta a investigadora.

Do lado da LRA, Teodora Staeva, vice-presidente e principal responsável científica da associação, realça o orgulho “de poder oferecer estas bolsas, que apoiam a investigação crítica do lúpus e encorajam o desenvolvimento de abordagens terapêuticas inovadoras. Os talentosos laureados com o Prémio Lúpus de Inovação estão a desenvolver a investigação sobre lúpus, com o objetivo de melhorar a vida das pessoas com esta doença», sublinhou a responsável, em comunicado.