Um estudo português, que contou com a participação de investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) e do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR-UP), revela que os animais domésticos podem contrair o vírus Sars-Cov-2, causador da Covid-19.

De acordo com o estudo, que acaba de ser publicado na revista científica Microorganisms, são os gatos os mais propensos a ter sintomas, ao passo que os cães têm maior carga viral. Para chegar a esta conclusão, foram analisados 217 animais de estimação (148 cães e 67 gatos) de cinco distritos portugueses: Lisboa, Porto, Braga, Aveiro e Coimbra.

“Verificámos que 15 em 69 gatos e 7 em 148 cães continham anticorpos contra o Sars-Cov-2, ou seja, já tinham tido contacto com o vírus”, revela  Ricardo Barroso, primeiro autor do artigo, realizado no âmbito da sua dissertação de mestrado em Aplicações em Biotecnologia e Biologia Sintética pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), sob orientação de Agostinho Antunesdocente da FCUP e investigador do CIIMAR-UP e de Isabel Fidalgo Carvalho, CEO da Equigerminal S.A e docente na Escola Universitária Vasco da Gama.

Iniciado na FCUP, o trabalho envolveu a recolha, entre dezembro de 2020 e maio de 2021, de amostras de sangue de cães e gatos para pesquisa de anticorpos. Em paralelo, Ricardo Barroso  realizou inquéritos epidemiológicos aos donos desses animais e também a clínicas veterinárias, com o objetivo de fazer uma sinalização completa de história clínica de cada animal, bem como da respetiva exposição ao novo coronavírus (em ambiente familiar ou ao ar livre).

Ricardo Barroso (à esquerda) e Agostinho Antunes são dois dos autores do estudo. (Foto: DR)

Cães com maior carga viral e gatos mais suscetíveis 

No âmbito do estudo, foram efetuados testes por PCR quantitativo em tempo real em cinco animais (quatro cães e um gato). Destes, apenas um cão assintomático testou positivo para RNA do SARS-CoV-2 sete dias após o resultado positivo do dono ser conhecido. Este cão, descreve Ricardo Barroso, tinha uma “alta carga viral”. Apesar de poder não ser muito expressivo nestes animais, os cães parecem replicar o vírus com maior carga viral.

“Quanto aos gatos, recolhemos dados junto dos donos e de clínicas veterinárias se os animais de estimação tinham tido sintomas e havia gatos com sintomatologias muito diversificadas, como problemas respiratórios, neurológicos e digestivos”, explica. 

Dos 15 felinos com anticorpos detetados, nove (60%) apresentaram mais do que um sintoma: quatro (44,44%) tinham sintomas respiratórios, dois (22,22%) tinham sintomas neurológicos, três (33,33%) tinham sintomas digestivos, dois (22,22%) apresentavam uma redução de apetite e um (11,11%) teve febre.

Animais não infetam os humanos

Mas se os humanos podem infetar os animais de animação, será o contrário possível? Ricardo Barroso afasta essa possibilidade, ou não fosse o Sars-Cov-2 uma “zoonose reversa”. Ou seja, passou de um primeiro evento de um animal, que ainda não está identificado, e transmitido para humanos, para o oposto: “Uma doença que passa dos humanos para os animais ao contrário da zoonose”. 

A mesma mensagem é reforçada por Isabel Fidalgo Carvalho: “Até à data, sabemos que só está provado que nós infetamos os animais e não ao contrário”, frisa  a investigadora. E deixa o apelo a que os donos não se sintam assustados e, com isso, abandonem os animais. “Nós devemos proteger os animais”, apela a coordenadora do estudo.

Os autores da investigação, entre os quais se inclui também Alexandre Vieira-Pires da Equigerminal e da Universidade de Coimbra, concordam que são necessários mais estudos para saber como atua o vírus e as suas futuras variantes nestes animais.

Os resultados deste estudo referem-se à variante Alpha (a segunda mais severa) nos animais de estimação.