São desenhos, pinturas, esculturas e instalações inéditas, desdobramentos da experiência de um lugar: a ilha do Fogo, em Cabo Verde. Despojos. Prolongamento da memória inaugura no próximo dia 17 de janeiro nas Galerias da Casa Comum e traz-nos paisagens, embora esse não seja o foco desta exposição individual de Sílvia Simões que ficará aberta ao público até março.

Houve um episódio que marcou não só a história da ilha, mas também a obra que a artista e docente da Faculdade de Belas Artes da U.Porto (FBAUP) traz agora a público. Começou em novembro de 2014 e terminou em fevereiro de 2015 a erupção vulcânica da Ilha do Fogo, em Cabo Verde. Foram 77 dias de emissão de gases, num pico que atingiu as 11 mil toneladas por dia. A lava foi galgando e engolindo terras agrícolas e povoados. Num dos balanços possíveis, o centro da terra expeliu entre 100 e 125 milhões de toneladas de lava. Cerca de mil pessoas tiveram de ser realojadas.

O desafio de ir ao encontro da memória

Tendo visitado a ilha em 2010, Sílvia Simões regressou a uma paisagem totalmente diferente, em 2018, para fazer uma residência artística. Os despojos do que encontrou e toda a “negritude da paisagem” dão, agora, corpo a este trabalho expositivo. “O desenho, a pintura e a instalação” materializam “a experiência de representar esse lugar”, diz-nos a artista. É uma espécie de revisitação do Chã das Caldeiras, a desaparecida aldeia do município de Santa Catarina, junto ao vulcão do Fogo, onde viviam cerca de 1.300 pessoas.

“A partir da ideia de construção de paisagem, encontro o incentivo para a criação de gestos e imagens que já não são do universo do ver, mas do recriar a realidade”, nota Sílvia Simões. Sendo o ponto mais alto de Cabo Verde, o vulcão do Fogo possui quase 3.000 metros, com uma caldeira de 8 km de diâmetro. Ainda hoje, permanece ativo.

O diálogo com a natureza bruta

Quem visitar a exposição vai, então, encontrar instalações, esculturas, desenhos e pinturas que escorrem da parede e se espraiam pelas três salas da galeria da Casa Comum. Contaminações do mesmo tema.

Cruzando o desenho com outras formas de expressão, Despojos. Prolongamento da memória recorre a materiais como o grafite, o carvão e o pastel de óleo sobre tela e papel. Com um notório predomínio do preto sobre as restantes cores, os materiais convocam-nos para um diálogo com os elementos da natureza, obedecendo ao jugo e à brutalidade da lava. O irredutível despotismo da palavra final que o planeta terra sempre tem.

Após uma residência artística, com o correspondente trabalho de levantamento das características do território e workshops realizados com a comunidade local, esta exposição representa também a arquitetura da memória. Vem dar “visibilidade à recolha e ao armazenamento”, tanto da memória como do arquivo de informações e imagens colhidas no terreno. Despojos que são sempre, no fundo, “o que resta da experiência dos lugares”, destaca a autora.

Despojos. Prolongamento da memória vai ficar patente ao público até 12 de março. As visitas podem ser efetuadas de segunda a sexta, das 10h00 às 13h00 e das 14h30 às 17h30. Aos sábados, as portas abrem das 15h00 às 18h00. A entrada é livre.

Sobre Sílvia Simões

Sílvia Simões nasceu no Porto em 1974 e concluiu a Licenciatura em Pintura pela Faculdade de Belas Artes do Porto (FBAUP), onde leciona no Departamento de Desenho. Iniciou a prática artística em 1995 que continua, dando particular destaque à área do desenho, fotografia e pintura. Atualmente, é a curadora responsável pelo Ciclo de Desenho “O desenho contemporâneo em diálogo com a obra de Abel Salazar”.

Como investigadora, é membro integrado do Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (I2ADS).