Notabilizou-se enquanto investigador e professor na Universidade do Porto durante a primeira metade do século XX, mas deixou também uma obra artística de relevo. E é essa faceta de Abel Salazar que pode agora ser conhecida bem de perto. À hora que quiser. E onde quiser. Basta “visitar” O Museu num Minuto, o mais recente projeto lançado pela Casa-Museu Abel Salazar (CMAS).

Às vezes, o que precisamos é de uma boa história para, finalmente, ver o que sempre esteve tão perto. E de alguém que se disponibilize para nos contar essa história. O Museu num Minuto, explica André Azevedo, colaborador da CMAS, nasce para responder a esta “mudança abrupta” que a pandemia “infligiu no relacionamento com o público”. Mesmo com as instalações físicas fechadas, “adaptámos procedimentos” para continuar a ser “um centro de aprendizagem informal, permitindo o acesso online e gratuito a diversos recursos digitais”.

Recorrendo a pinturas, fotografias e documentos diversos, o Museu num Minuto, projeto que contou ainda com a colaboração de João Sousa Pinto da CMAS, destaca, através de pequenos vídeos disponibilizados no Youtube, alguns dos aspetos da vida e obra de Abel Salazar que, no seu conjunto, “poderão dar uma ideia, ainda que muito por defeito, da amplitude interdisciplinar do corpo criativo – cientifico e artístico – e as múltiplas intervenções sociais onde Abel Salazar exerceu uma cidadania ativa e esclarecida, exemplo esse que julgamos servir a contemporaneidade”, esclarece André Azevedo.

Abel de Lima Salazar nasceu em Guimarães, em 1889, e foi cientista, professor, investigador, divulgador de ciência, artista plástico e resistente ao regime salazarista português. Em 1935, através de uma resolução do Conselho de Ministros, é afastado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e impedido de sair do país, integrando uma lista de opositores ao regime. Foi a sua atividade cívica contra o regime de Oliveira Salazar que o levou-o ao exílio, em Paris.

A Cena Tripeira

Depois da estadia em Paris, e já de regresso a Portugal, Abel Salazar realiza aquele que é considerado o trabalho que “melhor resume o universo estético da sua produção artística”: a Cena Tripeira. Trata-se de um quadro que reflete a “dualidade” da sua obra através das “figuras da mulher trabalhadora e da alta burguesia”, explica André Azevedo sobre a obra em destaque no segundo dos dois “episódios” já lançados de o Museu num Minuto.

Num plano aproximado vemos duas costureiras envoltas nos seus xailes que “parecem confidenciar, indagando sobre as figuras femininas dos planos posteriores”. Uma imagem que nos remete, lembra André Azevedo, para a obra de Maria Lamas “As Mulheres do Meu País”, publicada em fascículos de maio de 1948 a maio de 1950, e que nos faz um retrato da condição feminina portuguesa da primeira metade do século XX.

Contrariamente à imagem de “dona de casa”, que a propaganda do Estado Novo transmitia, Maria Lamas contrapõe afirmando que “no povo, não há, praticamente, mulheres domésticas (…) Quando não são operárias, são trabalhadoras rurais, vendedeiras, criadas de servir ou “mulheres a dias (…). Seria quase impossível mencionar todas as suas ocupações que vão do roçar mato aos mais delicados bordados”. Para além das “grandes indústrias” onde a mulher ocupa um “lugar predominante”.

Outro dos quadros de Abel Salazar que nos remete para este universo intitula-se, precisamente, Mulher Trabalhadora, e apresenta-nos um conjunto de mulheres, em movimento, a carregarem mercadoria. O esforço físico é, aqui, o protagonista da obra.

Também o retrato está muito presente na obra de Abel Salazar. A Casa Museu com o seu nome, onde viveu, reúne vários autorretratos. Haverá vários fatores que possam ter contribuído para este fenómeno sendo, o mais obvio, a disponibilidade do retratado. E é assim que o autor nos surge, envolvido no processo de produção da obra, como modelo da mesma, mas também como observador. Encarando-se.

E é este Abel Salazar que hoje também nos olha. Graças à aproximação da câmara, quase que podemos adivinhar a orientação e espessura do pincel. Medir a temperatura às tonalidades da cor. Mesmo de “paleta cromática reduzida”, nota André Azevedo, vemos “os grandes contrastes tonais” neste autorretrato do “homem plural das artes e das ciências”, envergando a sua bata de trabalho. O projeto contou ainda com a colaboração de João Sousa Pinto, igualmente colaborador da CMAS

E é como se lá estivéssemos. Em frente ao quadro. A ouvir o tanto que se pode contar em apenas um minuto. Tem um minuto?