O consumo de canábis pode alterar a resposta sexual feminina, indica um estudo que envolveu investigadores da Faculdade de Medicina (FMUP) e da Faculdade de Farmácia (FFUP) da Universidade do Porto, e que acaba de ser publicado no European Journal of Neuroscience (EJN).

O trabalho, realizado em animais de laboratório, avaliou o mecanismo de ação do principal componente psicoativo da canábis, o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC), quando associado à presença de hormonas femininas, mais concretamente o estradiol e a progesterona.

“Demonstrámos como a desregulação do sistema endocanabinóide, causada pelo consumo de canábis, interfere com circuitos neuronais e altera o comportamento sexual feminino. Estes efeitos secundários do THC são modulados pelo sistema endócrino”, indica Susana Sá, professora da FMUP e investigadora do CINTESIS.

De acordo com Susana Sá, o THC atua sobre os neurotransmissores (glutamato e GABA) que são reguladores, pois podem ativar ou inibir os neurónios. O que se verifica é que o THC aumenta a ativação dos mecanismos que desencadeiam a resposta sexual, ao mesmo tempo que aumenta a inibição dos mecanismos que deveriam terminar esta resposta”, continua.

A dose usada neste estudo foi baixa, constante e por um período curto, mimetizando o consumo ocasional. Não se sabe, porém, qual será o efeito sobre o comportamento sexual com a utilização de doses crescentes ou por períodos prolongados.

Canábis: Uma oportunidade ou um risco?

De acordo com os autores, este novo estudo justifica-se sobretudo numa altura em que aumenta o uso da canábis, uma planta que está a ser produzida e comercializada em Portugal desde 2018 para fins terapêuticos, embora os dados sobre a eficácia e segurança dos produtos derivados seja ainda escassa. Por outro lado, são conhecidos vários efeitos adversos deste consumo, a nível físico, mental, emocional e cognitivo.

Os investigadores avisam, desde logo, que a canábis pode provocar dependência, aumenta o risco de psicoses e pode induzir comportamentos sexuais disruptivos. Em idades mais jovens, a canábis pode também provocar dificuldades de aprendizagem e afetar o desenvolvimento do sistema nervoso.

“É urgente conhecer os possíveis efeitos adversos do consumo da canábis com fins terapêuticos, pois esta pode ser uma das razões para a descontinuação do tratamento”, concluem os autores.

Este estudo tem como autores Flávia Costa e Susana Sá, da FMUP, e Bruno Fonseca, da FFUP. Insere-se num projeto mais amplo que inclui outros estudos, nomeadamente a compreensão dos efeitos da canábis nos mecanismos neuronais da aprendizagem e memória e no desenvolvimento de novos neurónios (neurogénese) nestas áreas do cérebro.