Atualmente, estima-se que pelo menos metade da superfície da Terra esteja alterada pela atividade do Homem, sendo esta a principal causa da crescente degradação e perda de habitat e biodiversidade. (Foto: DR)

Em média, os mamíferos terrestres percorrem distâncias duas a três vezes mais curtas em paisagens modificadas pelo Homem do que na Natureza, comportamento esse que pode ter consequências para os ecossistemas. Esta é a principal conclusão de um estudo desenvolvido à escala global por uma equipa internacional da qual faz parte o investigador João Paulo Silva, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO) da Universidade do Porto, e cujos resultados acabam de ser publicados na última edição da prestigiada revista científica Science.

As deslocações fazem parte do dia-a-dia da maioria dos animais, seja para procurar comida, abrigo ou um parceiro para acasalar. Nestas deslocações, os animais desempenham funções essenciais para os ecossistemas, pois são intermediários de processos fundamentais que envolvem, por exemplo, a dispersão de sementes e a reprodução de plantas.

Para perceber de que forma a atividade humana afeta os movimentos de mamíferos terrestres, a equipa de investigadores analisou os movimentos de mais de 800 animais, representando 57 espécies, em várias partes do globo. Para isso recorreu a informações recolhidas com dispositivos GPS e a um índice que mede o quanto uma área foi alterada pelas atividades humanas: Índice de Pegada Humana.

Os resultados obtidos demonstram que o impacto das atividades humanas nos movimentos dos mamíferos é visível principalmente em intervalos de tempo mais longos. “Num período de 10 dias, em áreas com um Índice de Pegada Humana comparativamente elevado, os mamíferos percorreram entre metade e um terço da distância percorrida em paisagens naturais. Já em escalas de tempo mais curtas, como uma hora, não se percebem diferenças no padrão de movimentação”, esclarece João Paulo Silva, investigador da Cátedra REN em Biodiversidade CIBIO-InBIO.

Segundo o artigo publicado na Science (com o título Moving in the Anthropocene: Global reductions in terrestrial mammalian movements), áreas intervencionadas pelo Homem até podem trazer vantagens para algumas espécies, mas não deixam de constituir paisagens menos permeáveis aos seus movimentos. “A ocupação humana traz, por um lado, uma maior facilidade no acesso a comida, pelo que deixa de ser necessário percorrer distâncias tão grandes em busca de alimento. Por outro lado, a fragmentação da paisagem e as barreiras criadas pelas infraestruturas traduzem-se em dificuldades acrescidas de locomoção”, explica João Paulo Silva.

O investigador acrescenta ainda que “ao condicionar os movimentos dos animais a espaços mais limitados, podemos estar a aumentar a probabilidade de conflitos com populações rurais ou a aumentar o risco de contracção de doenças”.

As mudanças evidenciadas neste estudo têm, portanto, implicações que vão para além do funcionamento dos ecossistemas, uma vez que a movimentação dos animais também tem um papel essencial na coexistência entre a vida selvagem e o Homem.