Uma equipa de cientistas de Portugal, Dinamarca, Espanha e França, liderada pela investigadora Paula Campos do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (CIIMAR-UP), avaliou a dinâmica e diversidade genética das populações de focas-monge – também conhecidas como lobos-marinhos -, ao longo dos últimos 120 anos. Os resultados da investigação, recentemente publicados na revista Zoological Journal of the Linnean Society, revelam um declínio dramático na diversidade genética que acompanha a diminuição das populações devido à caça e perseguição pelo homem.

As focas-monge-do-mediterrâneo são uma espécie icónica do arquipélago da Madeira e uma das espécies de mamíferos marinhos mais ameaçada, com apenas cerca de 600 indivíduos em todo o mundo. A sua relação com os seres humanos remonta à Idade da Pedra, mas foi no tempo do império romano que se intensificou a caça pela carne, pele, gordura e produtos medicinais originários desta espécie.

Hoje, porém, estes animais perderam grande parte do seu habitat ideal, as praias abertas, devido à urbanização de zonas costeiras e perturbação dos locais onde repousam. A espécie restringe-se agora a grutas marinhas onde consiga escapar à perturbação do turismo em massa e à deterioração do habitat. Contudo, o uso de grutas contribui para a baixa taxa de sobrevivência e de natalidade.

Não surpreende por isso que a área de distribuição desta espécie, que antes ocupava a totalidade do Mar Mediterrâneo, o Mar de Mármara, o Mar Negro e os arquipélagos e zonas costeiras atlânticas, de Marrocos até à Gâmbia, tenha diminuído drasticamente no último século.

Atualmente existem apenas três populações pequenas de lobos marinhos: no Mediterrâneo oriental, no Saara Ocidental e nas ilhas Desertas no arquipélago da Madeira. Graças aos grandes esforços de conservação, estas populações parecem estar estáveis, ou até a recuperar lentamente, mas os estudos apontam para uma baixa diversidade genética que pode por em risco a sobrevivência da espécie, tornando-a suscetível a fenómenos de mortalidade em massa, consanguinidade ou agentes patogénicos.

Diversidade genética em risco

Até agora. não se sabia como as populações de focas-monge se relacionavam quando a distribuição da espécie era mais ampla. Assim, a equipa de investigação liderada pela investigadora do CIIMAR Paula F. Campos, e que conta ainda com os investigadores portugueses Gonçalo Themudo (CIIMAR), Raquel Vasconcelos (CIBIO/INBIO), Rosa Pires (IFCN, IP-RAM) e Luís Freitas (Museu da Baleia, Madeira), recorreu a coleções de história natural recolhidas nos últimos dois séculos para reconstituir a história da foca-monge-do-mediterrâneo e avaliar os níveis de variação genética ao longo do tempo.

No total, a equipa analisou 60 espécimes dos quais 42 remontam a um período anterior a 1975, momento dos últimos registos de grupos de lobos marinhos no Mediterrâneo Central e Ocidental. Foi extraído, sequenciado e analisado o ADN mitocondrial de todas as amostras após autenticação das sequências obtidas como genuinamente antigas.

As análises das relações evolutivas entre as populações revelaram uma diversidade genética nas amostras históricas que foi, entretanto, perdida, num padrão que estudos anteriores baseados em pedaços de ADN mais pequenos, não tinham conseguido recuperar.

O uso de grutas contribui para a baixa taxa de sobrevivência e de natalidade dos lobos marinhos. (Foto: Rosa Pires)

Segundo a investigadora Paula Campos, os resultados mostram que “no Mediterrâneo, para além do grupo que ainda se mantém atualmente, existiam mais dois grupos com semelhanças genéticas (clados) que desapareceram, e que aparentam ter estado em contacto entre si, com o grupo ainda existente no Mediterrâneo oriental e com as populações do Atlântico”. E no que respeita à diversidade genética, os resultados mostram uma diminuição dramática nos últimos 200 anos.

“A diversidade a nível dos nucleótidos (os elementos que compõem o ADN) é quatro vezes menor após 1975” refere a investigadora do CIIMAR. E acrescenta: “mais preocupante, é que na população da Madeira não há qualquer variação, a nível mitocondrial, desde pelo menos 1902.” O mesmo acontece com a população do Saara Ocidental.

Este padrão de perda abrupta de diversidade já foi observado noutros mamíferos marinhos e terrestres, como a baleia-cinzenta, a morsa, o boi-almiscarado ou o lince-ibérico. O facto de esta diminuição ter ocorrido sobretudo nos últimos dois séculos parece indicar que as focas-monge são mais uma vítima das perturbações causadas durante o Antropocénico, a época geológica atual em que a atividade humana tem sido extrema, com ameaças cada vez maiores à biodiversidade, especialmente às espécies ameaçadas.

Foco na conservação

Estes resultados realçam a necessidade de implementar estratégias eficazes de conservação da foca-monge para a salvar da extinção e mostram o impacto da industrialização e desenvolvimento urbanístico em zonas costeiras na sua sobrevivência.

Embora as três populações atuais sejam geridas de modo independente nas Desertas, Cabo Branco e no Mediterrâneo oriental, os resultados deste estudo indicam que, há menos de dois séculos, havia algum nível de mistura entre elas. Tal poderia permitir que os planos de conservação fossem conjuntos com a possibilidade de translocações e reintroduções noutras áreas onde as focas já tenham existido. No entanto, serão necessários mais estudos a nível da variação genómica para conhecer em mais detalhe a história destas populações.