Foi ao observar o sistema HD 23472 com o espectrógrafo ESPRESSO (ESO), que a equipa liderada pela investigadora Susana Barros, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e do Departamento de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), se deparou com um achado  surpreendente: três exoplanetas super-terras e dois super-mercúrios. A descoberta destes últimos é mesmo inédita. Até agora, só eram conhecidos seis super-mercúrios, todos eles em sistemas estelares diferentes.

O objetivo da investigação, agora publicada na revista Astronomy & Astrophysics, passava por caracterizar a composição de planetas pequenos e compreender como esta pode mudar com a localização e temperatura do planeta, e como está relacionada com as propriedades da estrela-mãe.

Mais concretamente, a equipa pretendia “estudar a transição entre ter ou não ter uma atmosfera, o que pode estar relacionado com a evaporação provocada pela irradiação da estrela”, explica Susana Barros.

Graças à grande precisão do espectrógrafo ESPRESSO, instrumento com bandeira portuguesa, instalado no Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul (ESO), no Chile, os investigadores descobriram então que “o sistema HD 23472 tem três super-terras com uma atmosfera significativa e, surpreendentemente, dois super-mercúrios, que são também os planetas mais próximos da estrela”, revela a investigadora do IA/U.Porto, sobre aquela que é a primeira descoberta de um sistema estelar com dois super-mercúrios.

No início do ano, uma outra equipa do IA/U.Porto, liderada pelo investigador Tomás Silva, também havia anunciado a descoberta de um raro super mercúrios no sistema HD 137496 b. Para detetá-lo, foi necessário recorrer a dados de trânsitos da missão espacial Kepler (NASA), em conjunto com dados de velocidades radiais dos espectrógrafos do Observatório Europeu do Sul (ESOCORALIE e HARPS,

Imagem do planeta Mercúrio, obtida pela sonda MESSENGER, da NASA. (Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Carnegie Institution of Washington)

Como é que se formou Mercúrio?

Os denominados “super-mercúrios” são exoplanetas com as mesmas características de Mercúrio, o planeta do Sistema Solar que se distingue por ter um núcleo relativamente maior e um manto relativamente mais pequeno do que os outros planetas. Algumas das explicações possíveis envolvem grandes colisões, que teriam arrancado parte do manto do planeta, ou devido à sua alta temperatura, parte do manto de Mercúrio poderá ter evaporado.

Segundo Susana Barros, a descoberta agora revelada “dá-nos pistas acerca da formação destes planetas, o que nos pode ajudar a excluir algumas hipóteses. Por exemplo, se um impacto grande, o suficiente para criar um super-mercúrio, já é bastante improvável, dois desses impactos são praticamente impossíveis. Continuamos sem saber como este tipo de planetas se forma, mas parece estar relacionado com a composição da estrela-mãe. Este sistema pode-nos ajudar a descobrir”.

Olivier Demangeon, outro dos membros da equipa, reconhece que, “para compreender como é que estes dois super-mercúrios se formaram, será necessário uma melhor caracterização da composição destes. Como estes planetas têm diâmetros menores do que a Terra, os instrumentos atuais não têm resolução suficiente para medir a composição da superfície, ou até a existência de uma potencial atmosfera”.

Gráfico do raio em função da massa, com os exoplanetas do sistema HD 23472 (pontos negros) comparados com outros exoplanetas conhecidos. A Terra (estrela azul) e Vénus (estrela amarela) estão indicados para comparação. As linhas a traço interrompido representam modelos de diferentes composições planetárias. A área a cinzento, em baixo, mostra a quantidade máxima de matéria do manto que pode ser arrancada por colisões. (Crédito: Barros et al. 2022)

Para o também investigador do IA/U.Porto, as respostas podem chegar com a ajuda do futuro Extremely Large Telescope (ELT) e do seu espectrógrafo de primeira geração ANDES, que “irão ter, pela primeira vez, tanto a sensibilidade, como a precisão necessárias para tentarmos fazer essas observações”.

 

Em busca de uma nova Terra

Mas o grande objetivo dos investigadores é mesmo encontrar outra Terra: “A existência de atmosfera dá-nos pistas acerca da formação e evolução deste sistema, e também tem implicações na habitabilidade dos planetas. Eu gostaria de estender este tipo de estudos a planetas com períodos mais longos, que têm temperaturas mais amenas”, projeta Susana Barros.

A participação do IA no ESPRESSO faz parte de uma estratégia mais abrangente para promover a investigação em exoplanetas em Portugal, através da construção, desenvolvimento e definição científica de vários instrumentos e missões espaciais, como a missão Cheops (ESA), já em órbita.

Esta estratégia irá continuar durante os próximos anos, com o lançamento do telescópio espacial PLATO (ESA), a missão Ariel (ESA) e a instalação do referido espectrógrafo ANDES no maior telescópio da próxima geração, o ELT (ESO).