Uma equipa de cientistas do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S) descobriu uma nova proteína que está envolvida na separação das células no final da divisão celular.

Apesar de já ser conhecida dos cientistas, a espectrina, tinha, até agora, passado despercebida no processo final da divisão celular, em que uma célula mãe fisicamente se divide em duas células filhas. A equipa do i3S conseguiu provar que a ausência desta proteína, juntamente com uma outra, impede que a célula se separe em duas, acumulando, assim, erros sucessivos.

Resultado do trabalho desenvolvido durante quatro anos pela equipa liderada pela investigadora Ana Xavier Carvalho, a descoberta agora publicada na revista Current Biology pode ter implicações em futuras terapias para doenças que resultam de erros na divisão celular ou de problemas de formação embrionária, como o cancro e algumas doenças neurodegenerativas.

No “esqueleto das células”

Uma melhor compreensão deste processo e das conclusões a que chegaram os investigadores leva-nos a uma viagem até ao “esqueleto das células”. Sabe-se que as células têm uma rede de filamentos de actina (estruturas semelhantes a cabos) conhecida como citoesqueleto de actina, que dá rigidez e suporta a célula quando esta está sob stress mecânico e quando precisa de mudar de forma, para se dividir ou migrar.

Como numa rede de pesca, numa rede de filamentos de actina estes têm de estar conectados uns aos outros. Dentro das células, as proteínas que permitem a conexão entre filamentos de actina são chamados conectores ou, em inglês, crosslinkers. Há crosslinkers grandes, pequenos, mais ou menos flexíveis, e dependendo dos crosslinkers disponíveis, a rede de actina vai ser mais ou menos porosa e mais ou menos rígida ou flexível/maleável. Sem crosslinkers, a rede deixa de funcionar como um todo, pois os filamentos estão soltos. Seria, portanto, de esperar que retirar crosslinkers às células afetasse a sua capacidade de se dividir.

Foi isto que a equipa do i3S procurou testar neste trabalho. Para tal, usou embriões de C. elegans que estão a levar a cabo a primeira divisão embrionária, ou seja, o embrião acabou de ser fertilizado e contém só uma célula que se divide em duas células. “Este modelo é ideal para estudar a divisão celular porque as proteínas envolvidas são muito bem conservadas (são extremamente parecidas com as proteínas envolvidas na divisão celular em células humanas) e o processo de divisão é muito estereotípico, o que facilita a deteção de problemas quando se perturba a função de uma proteína”, explicam as duas primeiras autoras do artigo, Filipa Sobral e Fung-Yi Chan.

“Achámos interessante que a depleção de nove crosslinkers (que são bem conservados entre espécies diferentes) um a um, pouco ou nada afetasse o sucesso da divisão celular. Então resolvemos ver o que acontecia aos embriões quando retiramos mais do que um crosslinker de cada vez.” O caminho seguinte foi recorrer a embriões do C. elegans que não têm a plastina, o mais pequeno dos nove crosslinkers testados, e retirar-lhes as outras oito proteínas de ligação, uma a uma, para ver o que acontecia.

«Para nossa surpresa, verificámos que, num embrião sem plastina, quando retiramos a espectrina, a separação das células falha em 90 por cento dos casos. E o facto é que a espectrina nunca tinha sido envolvida ou implicada no processo de divisão celular», revela Ana Xavier Carvalho.

Se tentarmos visualizar o que acontece durante a separação de uma célula em duas centrámos a nossa atenção na criação de um anel contrátil que permite estreitar e depois concluir a separação física das duas novas células filhas, cada uma levando um núcleo. “Nós verificámos que sem estas duas proteínas – a plastina e a espectrina – o anel contrátil desfaz-se e a célula não se separa em duas, acumulando erros. Ou seja, são estas duas proteínas que permitem organizar a rede de actina e estabilizá-la durante este processo de contração do anel que conduz à separação das duas células filhas”, explica a coordenadora do estudo e líder do grupo de investigação em «Cytoskeletal Dynamics» do i3S.

Este resultado, acrescentam as autoras, “também é interessante pelo facto de dois crosslinkers com propriedades bastante diferentes (a plastina é um crosslinker pequeno e rígido e a espectrina é um crosslinker muito maior e flexível), trabalharem em conjunto para organizar a rede de filamentos de actina, que é absolutamente necessária para a separação física das duas células filhas”.

Esta nova descoberta vem contribuir para que os cientistas compreendam melhor o processo da divisão celular, um processo absolutamente essencial para criar e manter a vida dos organismos e que quando desregulado pode levar a problemas graves como defeitos no desenvolvimento embrionário ou na formação e funcionamento de vários órgãos, e a doenças como o cancro.