Um consórcio científico internacional, liderado por cientistas do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (CIIMAR-UP) e da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), publicou recentemente um estudo no qual demonstra que os lípidos (gorduras) são o combustível primordial dos espermatozoides dos golfinhos na corrida para a fecundação. A descoberta, publicada na revista científica Current Biology, vem lançar novas luzes para a compreensão da fisiologia energética dos espermatozoides dos golfinhos.

Os espermatozoides são das células mais especializadas de entre as células animais. A sua forma e função únicas são essenciais para a reprodução das espécies. O seu movimento característico – o batimento em chicote do flagelo – é um processo crítico para a fecundação e dependente de grandes quantidades de energia.

Na maioria das espécies de mamíferos, este processo é sobretudo dependente de açúcares (glucose) às quais se acrescentam pequenas quantidades de outros compostos combustíveis. Dada a importância deste sistema, os espermatozoides têm genes exclusivos para controlar a produção energética a partir dos açúcares. As mutações nestes genes resultam geralmente em esterilidade em vários modelos animais, inclusive na espécie humana.

No entanto, neste novo estudo agora publicado, o consórcio de investigadores liderado pela U.Porto revela pela primeira vez que este cenário não se verifica nos cetáceos, em particular nos golfinhos, cujo metabolismo energético nos espermatozoides apresenta distinções muito substanciais.

Mais concretamente, os investigadores demonstraram que os genes específicos de espermatozoides que caracteristicamente participam e controlam a glicólise – o processo bioquímico de obtenção de energia a partir de açúcares, – apresentam erros ou estão mesmo ausentes. Adicionalmente, as experiências com espermatozoides de golfinhos mostraram que são as gorduras metabolizadas nas mitocôndrias, e não os açúcares,  o combustível essencial ao movimento destas células e, portanto, para a fecundação. Este padrão não tinha sido, até agora, descrito em qualquer outra espécie de mamífero.

O poder da genómica comparativa

Filipe Castro do CIIMAR-UP e da FCUP, cientista sénior neste trabalho, afirma que os resultados deste trabalho representam uma “alteração fundamental da nossa compreensão do metabolismo energético dos cetáceos. Estes animais são de facto muito especiais e um “livro” único para ensinar a evolução: a reorganização anatómica (não tem pelo nem membros posteriores), alterações comportamentais (tem um “sono” muito especial) e a reprodução são caraterísticas restritas e cuja a assinatura essencial no ADN é a não-funcionalização secundária de genes”.

Já para Luís Alves (CIIMAR-UP), autor principal do estudo, “este trabalho é um exemplo claro do poder de abordagens genómicas comparativas a larga escala e de última geração para compreender padrões biológicos, com implicações relevantes nas áreas da saúde humana e da conservação da biodiversidade animal”.

Raquel Ruivo, também do CIIMAR-UP e igualmente autora principal do artigo, assegura por sua vez que “este trabalho permite-nos adicionar mais uma peça ao puzzle fisiológico e energético que estes animais representam”: Como? “Reforçamos a hipótese do uso preferencial de gorduras como fonte de energia em diversos órgãos e tecidos de golfinhos”.

Refira-se ainda que, apesar de possuírem uma dieta pobre em açúcares, os golfinhos apresentam uma elevada concentração de açúcar no sangue”, adianta Raquel Ruivo, acrescentando que a continuação deste trabalho permitirá provavelmente compreender um outro “enigma” que envolve aquele espécie: “São diabéticos saudáveis! Porquê?”.