Na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), uma equipa de investigadores está a trabalhar com a planta do arroz a fim de a tornar mais resistente aos efeitos provocados pelo calor e aumentar a sua produtividade ao nível da qualidade e quantidade. 

Perante o desafio de alimentar uma população mundial cada vez maior na era das alterações climáticas, os investigadores vão centrar-se no processo reprodutivo do arroz. Afinal, é através das sementes que é possível a adaptação às mudanças das condições do clima e o estabelecimento de novas gerações. 

“Pretendemos utilizar uma ferramenta inovadora de edição de genoma – chamada CRISPR – para tornar a planta do arroz mais resiliente às alterações climáticas nem que seja por edição de um só gene”, conta Sílvia Coimbra, docente da FCUP que lidera o consórcio internacional do projeto CRISPit, financiado pelo programa Horizonte. 

Na FCUP, o trabalho é desenvolvido pela equipa do Sexual Plant Reproduction and Development laboratory (SPReD lab), um laboratório que se dedica a estudar os mecanismos de reprodução que levam à formação de sementes. 

“A própria etapa da formação da semente do arroz é muito sensível aos efeitos do calor. Por isso, perceber como tudo ocorre do ponto de vista dos mecanismos moleculares e genéticos é muito importante para que seja possível controlar e modificar os genes a nosso favor”, explica a investigadora e docente da FCUP, Ana Marta Pereira

Da “edição” de genes ao Vietname

E é na “edição” dos genes que está a chave para ajudar o arroz no combate ao stress pelo calor. Depois de uma seleção dos genes mais ou menos tolerantes feita pelas universidades parceiras em Itália, entram em ação os investigadores do SPReD lab.

No projeto CRISPit, os investigadores vão editar pequenas partes de um gene, num processo que pode ser comparável à edição de um documento: “É como um ficheiro de word em que editamos para o acordo ortográfico e tiramos os “c”’s e os “p””, exemplifica Sara Pinto, estudante do doutoramento em Biologia. O conteúdo é o mesmo, mas com ligeiras alterações que podem fazer toda a diferença. 

A prova de conceito será feita com a espécie Arabidopsis thaliana – uma planta modelo por excelência para quem trabalha com plantas, tendo sido a primeira cujo genoma foi completamente sequenciado. “Vamos selecionar os genes a estudar, com diferentes respostas em relação ao stress pelo calor em Arabidopsis, para, depois desta primeira seleção, passar para o arroz e editar esses genes pela técnica do CRISPR”, conta Sílvia Coimbra.  O objetivo é gerar conhecimento rápido que pode ser facilmente traduzido em resultados concretos na planta do arroz, cujo ciclo de crescimento é mais lento. 

O tempo urge e esta planta, que está para quem trabalha com plantas como os ratinhos estão para a biologia humana, é um atalho importante. “Pretendemos perceber se a produtividade e qualidade pode ser melhorada mesmo que a planta sofra o stress causado pelo calor”, assinalam os investigadores. Para isso, vão comparar as plantas em cenários com e sem o efeito de temperatura. 

Só depois destes testes, e de selecionadas as variedades já “editadas” mais resistentes, é que se chega à fase final – os testes em trabalho de campo. Esta fase será realizada tanto na empresa portuguesa DEIFIL como no Vietname, país mundialmente conhecido pela produção de arroz, e um dos países parceiros do projeto. 

O objetivo dos cientistas da FCUP é chegar ao final do CRISPit com pelo menos uma variedade de arroz mais resistente ao calor e assim poder contribuir para que, num futuro com alterações climáticas, não falte este alimento essencial para alimentar a população mundial. 

A equipa do SPReD lab é composta por docentes, estudantes de doutoramento e investigadores de pós-doutoramento. Foto: FCUP

Um projeto que possibilita o intercâmbio de investigadores

Para além de Sílvia Coimbra, Sara Pinto e Ana Marta Pereira, integram também a equipa do projeto na FCUP os investigadores Luís Gustavo Pereira, também docente da FCUP; Raquel Figueiredo, investigadora de pós-doutoramento, e as estudantes do doutoramento em Biologia Sara Mendes, Jessy Silva, Diana Moreira e Maria João Ferreira.

Este projeto permite desde início um intercâmbio de investigadores entre a Europa e os parceiros fora deste continente (Austrália, Japão, Canadá, Estados Unidos e Vietname). Estes últimos, irão receber os investigadores europeus envolvidos no projeto, no caso de Portugal (FCUP e Universidade Nova de Lisboa), Itália (Universidade de Calábria e Universidade de Milão) e França (Universidade de Rouen). 

O projeto envolve um consórcio de 11 parceiros de dentro e fora da Europa e tem uma duração de 4 anos.